Os médicos, como todas as pessoas que têm de vivenciar a realidade urbana brasileira diariamente, estão à mercê da falta de segurança que impera em diversas localidades do país. Não têm sido raros os casos em que a violência, em suas mais diferentes formas, acontece dentro do próprio estabelecimento de saúde. Essa realidade é problema estrutural que afeta diferentes regiões do Brasil e até ao redor do mundo.
Os médicos e a violência urbana
De acordo com Rogério Aguiar, presidente do Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (Cremers), em Porto Alegre, a realidade não tem sido diferente daquela que assola outros grandes centros. “Estamos vivendo, de maneira bastante frequente, situações de risco para os profissionais de saúde ao chegarem e saírem de seus locais de trabalho – e também dentro deles”, relata.
Aguiar explica que há uma resposta do poder público relacionada à questão, mas, depois de algum tempo, as medidas acabam sendo relaxadas. “Surgem outros problemas de segurança, e o contingente de policiais tem que ser deslocado para outros locais e as mesmas situações voltam a se repetir nos mesmos lugares”, lamenta.
Paulo de Argollo Mendes, presidente do Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers), também destaca a ação conjunta com o poder público para combater o problema e destaca progressos já conquistados. “Avançamos ao criar um grupo de trabalho ligado à segurança pública estadual, no qual temos assento, ao lado dos principais órgãos de segurança estaduais e municipais. Hoje, temos celulares, estamos em grupos de WhatsApp da polícia militar, e eles chegam bem mais rápido aos locais do que em anos anteriores”, informa.
A violência na relação médico-paciente
O contato constante com o público faz com que a Medicina também ofereça riscos comuns às práticas dessa natureza. De acordo com Argollo, as agressões verbais e/ou físicas são uma constante, e o procedimento do Simers nessas situações, que mantém um plantão 24 horas para ser acionado, é ir ao local com um diretor, advogado e jornalistas. “Apoiamos no que for preciso. Podemos pressionar para suspender o atendimento caso não haja condição de manter”, declara.
Os presidentes do Cremers e Simers enxergam a situação como fruto de problemas mais amplos. “Acredito que a Saúde está precariamente atendida, em comparação com a demanda”, argumenta Aguiar. Para o especialista, a insatisfação gerada pelas más condições e pelos atrasos acaba tendo que ser enfrentada pelos profissionais de saúde.
“Isso afeta a relação médico-paciente, porque, quando a pessoa consegue ser atendida, já está revoltada”, completa. A descrição do cenário é corroborada por Argollo: “Não podemos mais aceitar que o médico e outros profissionais paguem a conta da ineficiência dos governos”.
Emergência versus ambulatório
A questão pode ser agravada pelo comportamento de boa parte da população, que se dirige a unidades de emergências sem necessidade, apenas em busca de atendimento imediato – e, por vezes, quando não o consegue, torna-se agressiva. “A emergência é o cenário mais hostil, onde há confusão envolvendo pacientes quase todos os dias”, afirma Hélio Rocha Neto, psiquiatra da rede municipal de Santos (SP).
Como psiquiatra em emergência, ele relata já ter sido agredido verbalmente diversas vezes ao se recusar a fornecer receita azul, laudos e medicamentos controlados. “O problema é quando a pessoa tenta coagir você, violentamente, a fazer o que ela quer. Em uma noite, cheguei a ser ameaçado de morte duas vezes por me recusar a fornecer receitas”, conta.
A chave para evitar a revolta do paciente, segundo Hélio, é assumir uma postura de compreensão e fomentar o diálogo: “Nesses casos, mesmo que a pessoa saia contrariada, a beligerância diminui”. Quanto ao regime ambulatorial, o psiquiatra esclarece que esses problemas são, muitas vezes, causados por má prática do próprio médico, que marca o mesmo horário para todos os pacientes e, então, atende por ordem de chegada. “No ambulatório, marco um horário para cada paciente. Por causa dessa prática, nunca sofri agressão, nem verbal”, afirma.