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Código de Ética Médica: tudo sobre sua importância e nova atualização

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- 10/01/2020

Na Medicina, o código de ética é de extrema importância para zelar pelo bom exercício da profissão, beneficiando médicos e pacientes em diversos aspectos. Com os avanços da tecnologia e a relevância dessa profissão, que lida diretamente com a vida, uma atitude ética por parte do médico se faz imprescindível.

Na edição #63 da Revista DOC conversamos com entidades médicas, médicos atuantes e um advogado com experiência nessa área, a fim de entender melhor o papel desse documento que, recentemente, passou por uma atualização, além de conhecer o ponto de vista desses profissionais sobre os assuntos que dizem respeito à conduta ética do profissional de saúde.

História do Código de Ética Médica

Recentemente, o Código de Ética Médica (CEM) brasileiro foi revisto e atualizado para melhor se adequar às necessidades do mundo atual e dos profissionais e pacientes amparados pelo documento. Entretanto, há séculos essa conduta era orientada por meio de juramentos, credos, orações e normas institucionais. Apesar dos textos famosos que circularam ao redor do mundo nessa época, a ética era muito mais relacionada a questões inerentes ao comportamento do indivíduo, como a moral, a honra e a virtude.

A Associação Médica Americana, em 1847, manifestou-se a respeito do médico, filósofo e escritor inglês Thomas Percival, considerado o criador do primeiro código moderno de ética médica, em 1803. A instituição adaptou a contribuição de Percival para uso dos médicos americanos, então essa contribuição tornou-se o primeiro código de ética adotado por uma associação profissional nacional.

No Brasil, de acordo com o Conselho Federal de Medicina (CFM), a criação do Sindicato Médico Brasileiro, em 1927, incitou uma preocupação com as questões éticas, que culminou em uma publicação do Código de Moral Médica no Boletim do Sindicato Médico Brasileiro, em 1929. O texto não passou de uma tradução do código de mesmo nome, aprovado pelo VI Congresso Médico Latino Americano, realizado em Havana, em 1926.

A publicação desse Código tinha como objetivo divulgar o texto, promover debates e acolher sugestões que possibilitassem a criação de um documento adaptado à realidade brasileira. O resultado desse processo foi debatido apenas em 1931 e resultou na aprovação de um Código de Deontologia Médica, que não possuía status jurídico. Ainda assim, influenciaria na publicação do Decreto 20.931, de 1932, que regulamenta profissões na área da Saúde, incluindo a Medicina, que permanece em vigor até hoje.

Linha do Tempo do CEM

1931 – Código de Deontologia Médica que, embora fosse praticamente o mesmo texto de Cuba, continha uma modificação interessante: a criação de um “Conselho de Disciplina Profissional” e um Index, em que figurariam os profissionais “indignos da profissão”.

1944 – Primeiro Código de Ética Médica reconhecido pelo governo.

1953 – Novo Código de Ética Médica, baseado no juramento de Hipócrates e na declaração de Genebra, adotada pela Organização Mundial de Saúde, e no Código Internacional de Ética Médica.

1965 – Novo Código, agora no âmbito dos Conselhos de Medicina e não mais do governo.

1984 – Código de Deontologia Médica.

1988 – Código de Ética Médica, produzido no processo de redemocratização do país, que contemplava não somente a realidade médica, mas também a perspectiva e o compromisso de sua transformação.

2010 – Atualização do Código de Ética Médica, com novidades como a previsão de cuidados paliativos, o reforço à autonomia do paciente e as regras para reprodução assistida e a manipulação genética. Também prevê a extensão de seu alcance aos médicos em cargos de gestão, pesquisa e ensino.

2019 – Atualização do Código, que incorpora artigos que tratam de assuntos que dizem respeito às inovações tecnológicas, à comunicação e às relações em sociedade.

Fonte: CFM

A importância do Código de Ética

A Medicina pode ser considerada uma das profissões em que o código de ética possui uma importância ainda maior, quando se compara a outras áreas, pois o médico lida diretamente com a vida, fazendo-se necessário que esse profissional tenha em mente os seus limites, deveres e obrigações perante a sociedade na qual está inserido.

De acordo com o cardiologista Luiz Roberto Londres, o código pode ser considerado um documento essencial no exercício dessa profissão. “Estamos lidando com a saúde e a vida de nossos pacientes. Nenhum interesse pessoal pode intervir nas noções básicas do médico. Por isso, um código que ajude a orientar os profissionais é essencial”, sustenta Luiz.

É evidente que o objetivo principal do documento é proteger aquele que está mais exposto na situação – o paciente –, garantindo que este possua o direito de receber um tratamento adequado em todos os sentidos. Apesar disso, o código também protege o médico no que diz respeito às questões judiciais que esse profissional possa vir a enfrentar.

Além disso, Carlos Vital, presidente do CFM, afirma que o documento não tem como objetivo causar constrangimentos ou prejuízos aos médicos. “Ao estabelecer os limites, pretende-se criar um ambiente onde os profissionais devidamente orientados possam trabalhar apropriadamente, buscando a valorização de seu papel na sociedade, preservando o decoro e a credibilidade da Medicina e protegendo a sociedade”, enfatiza o presidente.

Vale ressaltar que em uma sociedade cada vez mais tecnológica e que ainda está se adaptando às novas formas de comunicação disponíveis, um documento como o código de ética é capaz de guiar os profissionais para que não cometam erros baseados na falta de conhecimento acerca dessas novas ferramentas.

“As redes sociais e a informática, como um todo, dão a possibilidade intensa de serem levadas ao seu mau uso. O médico deve estar sempre concentrado na essência da Medicina”, aponta Luiz Roberto.

“Estamos lidando com a saúde e a vida de nossos pacientes. Nenhum interesse pessoal pode intervir nas noções básicas do médico. Por isso, um código que ajude a orientar os profissionais é essencial”

Luiz Roberto Londres.

As últimas atualizações do Código de Ética Médica

Os avanços tecnológicos e científicos da Medicina exigem uma reformulação do Código de Ética e, após quase três anos de discussões e análises, o CFM aprovou o relatório sobre o tema que atualizou a versão anterior, em vigor desde 2009, incorporando artigos que tratam de assuntos relacionados às inovações tecnológicas, à comunicação e às relações em sociedade, mas mantendo os princípios deontológicos da profissão.

Dentre as alterações, o novo CEM acrescentou um novo princípio fundamental aos demais 25 que já constavam no CEM/2009:

 

XXVI – A Medicina será exercida com a utilização dos meios técnicos e científicos disponíveis, que visem aos melhores resultados.

Percebe-se, nesse novo princípio, a existência de uma obrigação de exercício da melhor Medicina disponível, e não de uma Medicina ideal quanto aos meios técnicos e científicos disponíveis. O profissional deve sempre se pautar em busca do melhor resultado possível.

No rol dos direitos do médico, duas inovações devem ser ressaltadas. A primeira diz respeito ao trabalho e ao exercício da Medicina em condições que não sejam dignas ou que possam prejudicar o paciente, o médico ou terceiros. Nesse tópico, o texto do antigo código permaneceu, e o que mudou foi a comunicação que deve ser feita para a análise de falhas no sistema de saúde.

III – Apontar falhas em normas, contratos e práticas internas das instituições em que trabalhe, quando as julgar indignas do exercício da profissão ou prejudiciais a si mesmo, ao paciente ou a terceiros, devendo comunicá-las ao Conselho Regional de Medicina de sua jurisdição e à Comissão de Ética da instituição, quando houver.

IV – Recusar-se a exercer sua profissão em instituição pública ou privada onde as condições de trabalho não sejam dignas ou possam prejudicar a própria saúde ou a do paciente, bem como a dos demais profissionais.
Nesse caso, comunicará com justificativa e maior brevidade sua decisão ao diretor técnico, ao Conselho Regional de Medicina de sua jurisdição e à Comissão de Ética da instituição, quando houver.

Nesse caso, comunicará com justificativa e maior brevidade sua decisão ao diretor técnico, ao Conselho Regional de Medicina de sua jurisdição e à Comissão de Ética da instituição, quando houver.

A segunda alteração importante se encontra no inciso XI, que trouxe como um direito do médico com deficiência ou doença exercer sua profissão sem ser discriminado.

XI – É direito do médico com deficiência ou com doença, nos limites de suas capacidades e da segurança dos pacientes, exercer a profissão sem ser discriminado.

No Capítulo IV, em que o documento aborda assuntos relacionados aos Direitos Humanos, acrescentou-se o parágrafo único ao art. 23.

É vedado ao médico […]:  Art. 23. Tratar o ser humano sem civilidade ou consideração, desrespeitar sua dignidade ou discriminá-lo de qualquer forma ou sob qualquer pretexto. Parágrafo único. O médico deve ter para com seus colegas respeito, consideração e solidariedade.

Na parte em que são abordados os Documentos Médicos, passa a ser dever do médico assistente ou de seu substituto a elaboração do sumário de alta e respectiva entrega ao paciente.

No mesmo tópico, o CEM possui uma inovação sobre a liberação do prontuário, enfatizando que, a partir de agora, o prontuário requisitado por ordem judicial será remetido diretamente ao juízo solicitante, não necessitando mais passar primeiro pelo perito médico.

Art. 87 – § 3o Cabe ao médico assistente ou a seu substituto elaborar e entregar o sumário de alta ao paciente ou, em sua impossibilidade, ao seu representante legal.

Art. 89 – Liberar cópias do prontuário sob sua guarda, exceto para atender a ordem judicial ou para sua própria defesa, assim como quando autorizado por escrito pelo paciente. §1º Quando requisitado judicialmente, o prontuário será encaminhado ao juízo requisitante.

Na seção intitulada Publicidade Médica, o item que proibia o médico de consultar, diagnosticar ou prescrever por qualquer meio de comunicação em massa foi transportado para a seção denominada Relação com Pacientes e Familiares. Além dessa mudança, o artigo também sofreu alteração no texto.

Art. 37: Prescrever tratamento e outros procedimentos sem exame direto do paciente, salvo em casos de urgência ou emergência e impossibilidade comprovada de realizá-lo, devendo, nesse caso, fazê-lo imediatamente depois de cessado o impedimento, assim como consultar, diagnosticar ou prescrever por qualquer meio de comunicação em massa.

§ 1º O atendimento médico a distância, nos moldes da telemedicina ou de outro método, dar-se-á sob regulamentação do Conselho Federal de Medicina.

§ 2º Ao utilizar mídias sociais e instrumentos correlatos, o médico deve respeitar as normas elaboradas pelo Conselho Federal de Medicina.

Principais atualizações do Código de Ética:

  • Acréscimo de mais um princípio fundamental;
  • O novo código traz, com mais clareza, artigos sobre os limites para uso das redes sociais pelos profissionais, presente na seção Relação com Pacientes e Familiares;
  • O documento passa a estabelecer que caberá ao médico assistente, ou a seu substituto, elaborar e entregar o sumário de alta;
  • No capítulo dos direitos dos médicos, o CEM prevê a isonomia de tratamento aos profissionais com deficiência e reforça a necessidade de criação de comissões de ética nos locais de trabalho;
  • O médico também tem o direito de se recusar a exercer sua profissão em instituição pública ou privada onde as condições de trabalho não sejam dignas e ponham em risco a saúde dos pacientes.

Orientação para quem está começando a carreira

É preciso estimular que os médicos mais jovens, e até mesmo os que ainda não são formados de fato, entendam a importância do código e saibam as exigências do documento antes de ingressar na carreira. De acordo com o presidente do CFM, os médicos são estimulados a conhecerem o documento ainda na faculdade.

“Na etapa de graduação, há disciplinas que introduzem os alunos de Medicina nos compromissos previstos na norma, como a necessidade de preservar o sigilo das informações repassadas pelos pacientes e de lhes respeitar a autonomia”, exemplifica Carlos Vital.

Os estudantes de Medicina também se inteiram de seus direitos, como o de exigir boas condições de trabalho e o de contar com remuneração justa. Além desse contato que ocorre na academia, o CFM tem ações estratégicas com foco no alcance dos profissionais, repassando-lhes o acesso à íntegra do documento ou ao site, onde esse conteúdo é disponibilizado.

O período da residência médica é bastante desgastante. O médico residente acaba focando seu tempo inteiramente no conhecimento científico que busca dentro daquele programa que cursa. Por isso, de acordo com Juracy Barbosa, ex-presidente da Associação Nacional dos Médicos Residentes (ANMR) e Conselheiro Regional pelo CRM-DF, muitos residentes só percebem, de fato, a importância do documento quando se encontram em alguma situação adversa.

Esse fato intensifica a necessidade de orientar esses profissionais que estão iniciando a carreira. “Conhecendo as regras que norteiam seu escopo de atuação, o profissional médico atua de forma segura, garantindo um atendimento de qualidade e sem vieses que possam macular sua atuação profissional.

O código de ética médica é um instrumento crucial para orientar as ações médicas, pois preserva os diretos do profissional e garante o bem-estar dos pacientes”, ressalta Juracy.

“Conhecendo as regras que norteiam seu escopo de atuação, o profissional médico atua de forma segura, garantindo um atendimento de qualidade e sem vieses que possam macular sua atuação profissional. O Código de Ética Médica é um instrumento crucial para orientar as ações médicas, pois preserva os diretos do profissional e garante o bem-estar dos pacientes”

Juracy Barbosa

Posicionamento das entidades médicas

As Sociedades Médicas de Especialidade são órgãos que têm como principal função orientar seus associados quanto à implementação e atenção às boas práticas de condutas em suas relações profissionais, educacionais e com seus pacientes, atuando sempre com transparência e ética.

Por isso, elas têm o dever de promover a educação a seus membros, além de auxiliá-los em sua implementação no dia a dia profissional. Desse modo, as Sociedades estão diretamente ligadas ao CEM, já que estimulam a prática das resoluções presentes no documento.

A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), por exemplo, possui um departamento científico de ética e bioética e atua nos estados brasileiros por meio de suas afiliadas, que são orientadas a discutirem sobre o tema principalmente ao levar essas pautas a eventos, como fóruns, congressos e aulas.

O secretário-geral da SBP, Sidnei Ferreira, acredita que é papel da sociedade instruir e estimular discussões, mas a fiscalização dos profissionais deve ser feita pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) e pelos Conselhos Regionais.

Ademais, ele defende que o Código é de extrema importância, pois firma os princípios da profissão e, por isso, deve ser seguido por médicos de todas as especialidades: “O código regula e ajuda o médico em seu dia a dia, protegendo o trabalho médico e a sociedade. Então essa é a maior função do código: é um balizador da ética médica e vale para todos os médicos”, explica.

Já a Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial (ABORL-CCF) possui, em sua composição, o Comitê de Ética e Disciplina, responsável por divulgar aos médicos os itens do Código, além de produzir material, fiscalizar e instruir sobre eventuais deslizes e atitudes tomadas por médicos que ferem os princípios do CEM.

O presidente do comitê, Rodrigo Meirelles, acredita que a atualização do CEM representa a introdução da Medicina ao século 21. “As regras ora delineadas confirmam no presente o reconhecimento de que o mundo e o homem mudaram. A ciência, a tecnologia e as relações sociais atingiram patamares nunca antes alcançados e, portanto, necessitam de um balizador atual e atento a essas transformações”, afirma.

Ele informa, ainda, que qualquer desvio de conduta dos médicos associados é denunciado e investigado primeiramente pela Associação e, caso haja a confirmação, só aí é que o caso é encaminhado ao Conselho Regional.

“As regras ora delineadas confirmam no presente o reconhecimento de que o mundo e o homem mudaram. A ciência, a tecnologia e as relações sociais atingiram patamares nunca antes alcançados e, portanto, necessitam de um balizador atual e atento a essas transformações”

Rodrigo Meirelles

Em um mundo cada vez mais presente nas redes sociais, a ética no universo digital tornou-se uma questão para as Sociedades Médicas. Ferreira constata a importância da criação de um artigo no novo código que norteie o uso das mídias na relação entre médico e paciente: “É um artigo que deixa mais claro, por exemplo, os limites para uso das redes sociais pelos profissionais, então esse artigo realmente era necessário”, comenta.

Já sobre os benefícios oferecidos aos médicos e pacientes com a atualização do CEM, Meirelles defende que o documento é capaz de favorecê-los em muitos aspectos, pois informa e detalha várias normas e princípios, como direitos dos médicos, responsabilidade profissional, direitos humanos, relação com pacientes e familiares, entre outros.

Respaldo legal e o Código de Ética Médica

O CEM, além de ser a diretriz para o exercício da Medicina, é a lei que o médico deverá sempre cumprir para oferecer o melhor de si como profissional. Diante disso, o profissional que, de alguma forma, descumprir alguma regra prevista no código irá arcar com as consequências legais desse ato.

De acordo com o assessor jurídico do CFM, Alejandro Bullon, o médico que não estiver de acordo com o que exige o documento, poderá receber uma advertência ou até medidas mais radicais.

“Não há nada mais grave do que exercer a Medicina sem ética e moralidade, o prejuízo maior é para a comunidade em geral. Todavia, o próprio texto prevê sanções que vão desde uma advertência à cassação do registro do médico”, enfatiza Bullon. 

O advogado ainda alerta para a obrigação do médico de estar atualizado não só em relação ao que envolve o conhecimento científico, mas também a tudo que está ligado às normas éticas.

O presidente do CFM explica que todas as denúncias feitas nos Conselhos Regionais de Medicina (CRMs) são apuradas em sindicâncias. Além do descumprimento da regra, é avaliada a repercussão dessa infração (lesão, óbito, concorrência desleal etc.).

“Em caso de confirmação do fato, o médico fica sujeito à abertura de um processo ético-profissional. Deve-se ressaltar que ao médico é sempre preservado o direito à ampla defesa e ao contraditório em todas as fases processuais”, acrescenta Carlos Vital.

“Não há nada mais grave do que exercer a Medicina sem ética e moralidade, o prejuízo maior é para a comunidade em geral. Todavia, o próprio texto prevê sanções que vão desde uma advertência à cassação do registro do médico”

Alejandro Bullon