Seguindo com a série de reportegens que destaca grande nomes da Medicina, José Pedro da Silva é o brasileiro que “mudou o mundo”, como foi descrito ao ser recebido como membro efetivo da American Association for Thoracic Surgery. Nascido em Pirajuí, cidade do interior de São Paulo, Silva revolucionou a Medicina mundial ao desenvolver uma nota técnica para corrigir a anomalia de Ebstein, cardiopatia congênita complexa que diminui a perspectiva de vida de quem não se submete ao tratamento cirúrgico até, aproximadamente, os 12 anos de idade.
José Pedro da Silva
Aos 69, o cirurgião cardiovascular, especializado em crianças, salva vidas no Children’s Hospital of Pittsburgh of UPMC, considerado um dos dez melhores hospitais infantis dos Estados Unidos, segundo a US News & World Report. No Brasil, mantém um consultório onde atende os casos mais complexos separados por sua equipe. Antes disso, porém, trilhou um caminho conturbado.
O primeiro contato de Silva com a Medicina foi ao nascimento, ao contrair tétano umbilical. Foi salvo por um médico que havia chegado recentemente ao Rio de Janeiro e trazia, em sua maleta, a recém-lançada penicilina. Mais tarde, ao cursar o ensino médio no Instituto Alfredo Pujol, Silva cogitou a hipótese de estudar Física como graduação, devido a uma tendência e ao interesse pelas ciências exatas. Os exemplos de médicos que cuidavam de seu pai, tratando-o bem e curando-o de uma tuberculose, porém, fizeram com que o jovem optasse pela Medicina.
Sem cursinho preparatório e com muita dedicação solitária aos estudos, o futuro médico passou para a Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp), onde se formou em 1973. Novamente, houve dúvidas quanto à especialidade que cursaria. “Nessa época, prestei exame para fazer residência nos Estados Unidos e passei, mas decidi residir no Hospital dos Servidores Públicos em Cirurgia Geral, em que passei por diferentes especialidades. Em dúvida, pensei até em cursar Cirurgia Plástica Reparadora, mas algo que nem eu sei explicar me levou para a Cardiologia e Cirurgia Cardíaca”, relata.
Ao terminar a residência, Silva escreveu para a Cleveland Clinic e teve o currículo aceito. Em janeiro do ano seguinte, mesmo sem fluência na Língua Inglesa, embarcou para Ohio e entrou em plantão assim que chegou ao hospital. “Nunca tinha saído do país, o que me deixava bastante preocupado. Os dois primeiros meses foram de muita dificuldade, por causa da língua, que eu ainda não dominava, e passei quase todo o tempo dentro do centro cirúrgico. Assim que comecei a manusear os instrumentos cirúrgicos, porém, já acreditaram em meu potencial e fui muito ajudado pelos colegas. Seis meses depois eu já estava muito bem e pude operar, sozinho, meu primeiro paciente americano”, recorda, orgulhoso.
Revolucionando a Cardiologia Mundial
Há 25 anos, o especialista começou a trabalhar no desenvolvimento de uma nova técnica para tratar a anomalia de Ebstein, que consistia em desmontar a válvula em folhetos e redesenhá-la em formato de cone, utilizando o próprio tecido do paciente. Criada por Silva, a cirurgia nomeada de “técnica do cone”, foi realizada pela primeira vez na Beneficência Portuguesa. A seguir, o cirurgião e sua equipe publicaram um artigo divulgando o procedimento no periódico científico Journal of Thoracic and Cardiovascular Surgery, descrevendo os resultados da aplicação da técnica em 40 brasileiros e pontuando a maior vantagem da cirurgia: a eliminação quase total da necessidade de outros procedimentos cirúrgicos ao longo da vida do paciente. A técnica ganhou projeção internacional e médicos dos principais centros mundiais de cardiologia enviaram profissionais para aprender com o especialista.
Com 43 anos de Medicina como bagagem, o médico desenvolveu uma segunda técnica, como opção a uma cardiopatia congênita em que a aorta e a artéria pulmonar são invertidas em relação aos ventrículos. Incansável, o cirurgião acredita que sua missão na Cardiologia está longe de ser cumprida. “Existem muitos desafios na cirurgia cardíaca, principalmente na área que eu escolhi, o cuidado das crianças. Atualmente, estou trabalhando muito na recuperação de ventrículos. O maior desafio talvez seja o daquelas crianças que nascem sem uma grande parte do coração ou com defeitos cardíacos muito complexos. Outro desafio é desenvolver medicações que permitam fazer um transplante impedindo totalmente que haja rejeição. Apesar de muito desenvolvido, o tratamento antirrejeição ainda não está no ponto ideal”, analisa.