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Artigo: Especialistas não são robôs

Por:

Max Grinberg

- 10/01/2020

Verdades, no campo das Ciências da Saúde, são instáveis. Há as que permanecem como conceito, é fato, enquanto variam na estruturação de critérios, e há as que resultam desmentidas, substituídas por algo também sujeito a tempo de validade. Ou seja, a fila do progresso técnico-científico está sempre andando[/caption]

Cenário comum na beira do leito é a divergência entre dois especialistas sobre o mesmo caso. Em termos práticos, o que parece adequado para um especialista pode ser admitido como inadequado pelo outro. Pode soar estranho, considerando que especialista é aquele que sabe bem o que fazer em sua área de atuação.

Diferenças de recomendação ocorrem em relação ao tipo de benefício da Medicina, à avaliação da segurança do paciente, ao timing da atuação médica etc. Isso significa que mesmo especialistas experientes não lidam, necessariamente, com certezas. De fato, especialistas profundos em conhecimento e em habilidade trabalham com probabilidades sustentadas por verdades e por justificativas. Pode-se simplificar dizendo que as verdades são da Medicina e as justificativas são do médico.

Não faltam verdades opostas por evidências qualificadas e o que pode ser válido para uma maioria de pacientes pode não ser para os demais com mesmo diagnóstico principal e algumas distinções secundárias. Justificativas, por sua vez, admitem focos e formatos e não dispensam peculiaridades de quem faz o juízo.

Verdades, no campo das Ciências da Saúde, são instáveis. Há as que permanecem como conceito, é fato, enquanto variam na estruturação de critérios, e há as que resultam desmentidas, substituídas por algo também sujeito a tempo de validade. Ou seja, a fila do progresso técnico-científico está sempre andando.

Diminuir riscos cardiovasculares pela baixa da hipercolesterolemia é uma verdade que persiste, pretendendo um status de certeza, mas as estratégias redutoras têm sido organizadas com várias oscilações sob peculiaridades de evidências sobre níveis plasmáticos ideais ao longo do tempo. A verdade (até recentemente) da impossibilidade de corrigir a estenose aórtica grave em um idoso com risco cirúrgico proibitivo foi modificada por uma inovação tecnológica – refez-se muito rápido a verdade, em uma dimensão oposta.

Inexistências se tornarem existências, em Medicina, parece uma obviedade. A história é rica de exemplos, sob o ângulo qualitativo. Todavia, a expansão do aspecto quantitativo acumula opções de aplicação tão superponíveis quanto distinguíveis pelas circunstâncias clínicas.

Justificativas do médico carregam muito de sua vivência, de seu olhar clínico, de sua empatia com o paciente. Elas dão certo toque de subjetividade à necessária objetividade ética. Elas animam ajustes sobre o que a Medicina tem de melhor para ser feito, ou seja, sobre as verdades validadas, que não são, entretanto, certezas. As argumentações (primeira opinião, segunda opinião) requerem uma base moral (probabilidades de bom e de mau posicionamento para a circunstância) e uma base ética (probabilidades de rumo correto ou incorreto) para o caso.

Recomendações de diretrizes clínicas do tipo I – úteis e eficazes – podem ser endossadas como corretas pelo médico, entretanto, sempre guardam o potencial de não serem boas opções momentâneas. Já recomendações tipo II – tendentes a inúteis, ineficazes e até prejudiciais – podem, em certas ocasiões, serem admitidas como corretas, face aos acontecimentos.

Uma causa forte de distinção de justificativas entre especialistas experientes é a visão de prudência. Uns focam o prognóstico com predomínio do olhar do benefício, outros com hierarquização da segurança. Algo que, em uma sessão de Congresso Médico, um colega na plateia comparou a um técnico de futebol: “… há os que gostam de estar sempre no ataque e há os retranqueiros”.

Uma intervenção em um paciente assintomático ilustra a questão em certas especialidades: uns mostram-se favoráveis a privilegiar a intervenção invasiva “preventiva”, outros a prover resolução apenas quando houver manifestação clínica – aqueles entendendo que risco baixo justifica embasar correções que evitem sintomas futuros; estes, discordando por considerarem injustificada, na circunstância, em função de qualquer morbimortalidade, mesmo mínima, da intervenção invasiva.

O especialista em uma doença fica mais especialista em um portador da doença à medida que acumula percepções de que saber orientar bem um caso não garante uma boa orientação para mais um. Aprender a lidar não automaticamente com cada mais um é uma tarefa inesgotável e repleta de subjetividades. Estas mesclam-se às objetividades das verdades da Medicina do momento e o resultado é: por mais que se deseje uniformizar o atendimento à saúde individual, a diversidade da condição humana prevalecerá em determinado momento, quer no processo de tomada de decisão, quer na evolução do decidido.

A “bioética da beira do leito”, ao mesmo tempo que reconhece o valor da participação de certos ultraespecialistas em circunscritas habilidades médicas, em um contexto de busca da excelência, rejeita enaltecimentos a respeito de argumentação, aculturação e normatização de uma expressão robotizada mais abrangente do médico especialista.