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Farmacogenética: a personalização da medicina

Por:

Bruno Aires

- 10/01/2020

Desde que a estrutura do DNA começou a ser desvendada pelo bioquímico alemão Johann Friedrich Miescher, lá em 1869, muita coisa mudou no mundo e na Medicina. Porém, mesmo passados 150 anos, muito ainda precisa ser descoberto na Genética, área científica que nasceu a partir dos estudos do DNA.

Neste contexto, a própria classe médica tem muito o que descobrir. Vários profissionais desconhecem, por exemplo, a Farmacogenética, que pode contribuir bastante para que o médico ofereça melhores tratamentos aos pacientes.

“A Farmacogenética é o estudo das variações genéticas que causam diferentes respostas aos medicamentos”, explica a farmacogeneticista Carolina Martins do Prado, doutora em Ciências pelo programa de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e proprietária da Pharmacogen Serviços Educacionais.

Ela explica que a Farmacogenética se baseia no fato de que os pacientes com a mesma doença podem responder de maneira diferente ao mesmo tratamento – alguns respondem bem às doses preconizadas em bula, outros têm reações adversas e há, ainda, os que têm uma resposta parcial ao tratamento.

Segundo Carolina, o que a Farmacogenética faz é tentar identificar variações genéticas no DNA do paciente, os chamados polimorfismos. “São eles que nos tornam diferentes e que podem alterar a maneira que o DNA é codificado.

A Farmacogenética procura esses polimorfismos e faz a correlação com a resposta terapêutica, de acordo com o fenótipo do paciente”, explica. Por conta desse tipo de personalização por meio da genética, é possível melhorar diversas formas de tratamentos – o que pode ser positivo para o paciente e para o médico.

“Por que seria bom para o médico? Imagine se o profissional faz um teste farmacogenético antes de o paciente começar o tratamento: ele já tem uma direção para qual grupo farmacológico poderá orientar a terapia.

Para o paciente, isso também é bom, porque muitos ficam desestimulados de seguir os tratamentos propostos porque sentem efeitos adversos que interferem nas suas atividades diárias ou sofrem com interações medicamentosas.

Com um tratamento mais bem definido por meio da Farmacogenética, o paciente não sofre com esses efeitos e pode ficar mais motivado, pois consegue exercer suas atividades normais, sentindo-se mais produtivo”, elucida Carolina.

História da Farmacogenética

Para muitos profissionais, a Farmacogenética pode parecer algo saído de um filme futurista, apesar de ser uma tecnologia já presente no nosso dia a dia. O que muitos não imaginam é que a história da Farmacogenética é bem antiga – data de cerca de 510 a.C, quando Pitágoras descreveu a ocorrência de intoxicação alimentar por favas (favismo) em alguns indivíduos que as ingeriam.

Em outras pessoas, não havia nenhum sinal de intoxicação. Esse foi o nascimento do conceito de fenótipos – que depois evoluiu para o de genótipos, base para a criação da Farmacogenética.

Durante a Segunda Guerra Mundial, os estudos de fenótipos ganharam mais força. Os médicos começaram a observar que cerca de 10% dos soldados afroamericanos e um pequeno número de caucasianos apresentavam uma crise hemolítica aguda ao receber primaquina ou outros fármacos antimaláricos.

“Eles se perguntavam por que isso acontecia. As técnicas laboratoriais foram sendo aprimoradas e os cientistas começaram a observar, por meio de exames de urina, que havia diferenças na relação entre o fármaco e o metabólito em pacientes que tomavam os mesmos medicamentos”, conta Carolina.

O termo Farmacogenética foi usado pela primeira vez em 1959, pelo geneticista alemão Friederich Vogel, que a descreveu, na época, como o estudo das anomalias cromossômicas humanas. Segundo ele, essas anomalias eram as responsáveis por fazer que pacientes com a mesma doença respondessem de maneira diferente a um mesmo medicamento, até mesmo de maneiras que não eram esperadas.

A partir da publicação do livro Farmacogenética: hereditariedade e resposta às drogas, de Werner Kalow, em 1962, as pesquisas relacionando o DNA às variações de respostas medicamentosas começaram de fato.

Farmacogenética na Medicina

Em 2018, a farmacogeneticista Carolina Prado lançou pela DOC Content o livro Farmacogenética na Psiquiatria: entendendo os princípios e a aplicabilidade clínica, junto com outros dois pesquisadores na área: o psiquiatra Luiz Henrique Junqueira Dieckmann e a neurologista Paula Macedo Dieckmann. Apesar de a obra ser voltada para a Psiquiatria, os autores garantem que ela é uma obra pioneira para a Farmacogenética no Brasil e pode ser relevante para médicos de todas as especialidades.

“A Farmacogenética pode atuar em todas as áreas onde existe uso de medicação. É uma área que cresce exponencialmente em todas as especialidades médicas, e não só na Psiquiatria – que, aliás, está atrasada em relação a outras áreas. Na Oncologia, por exemplo, a Farmacogenética já vem ajudando bastante no tratamento do câncer, porque orienta o médico que tipo de tratamento pode ser escolhido após o diagnóstico da doença”, explica Luiz Henrique Junqueira Dieckmann.

Falando sobre sua especialidade, o médico revela que o estudo dos genes tem tudo para impulsionar o crescimento da Psiquiatria nos próximos anos. “Não existe nenhuma doença psiquiátrica causada por uma única alteração gênica, pois todas são multifatoriais e poligênicas.

A Farmacogenética pode ajudar a guiar, não necessariamente o melhor tipo de tratamento para o paciente, mas para predizer quais são os piores tratamentos, dependendo dos genes alterados. É uma ferramenta que pode ajudar muito a decidir o que não fazer de antemão, com menos chance de erro”, afirma.

Para comprovar que a Farmacogenética já é presente – e não futuro, Carolina conta como ela vem sendo utilizada até mesmo na rede pública. “O SUS não usa essa nomenclatura, mas no caso de doenças infecciosas, o paciente só pode tomar determinado medicamento se fizer um teste de sensibilidade. Ou seja, eles verificam se o paciente responderá ou não àquele tratamento.

O mesmo acontece na Oncologia. O paciente com câncer só toma determinado medicamento se o profissional da Saúde tem certeza que haverá uma resposta positiva, sem o polimorfismo que afetaria o tratamento”, conta a farmacogeneticista.
Porém, apesar de tudo isso, Junqueira Dieckmann lamenta que ainda haja muito desconhecimento por parte dos médicos em relação à Farmacogenética. “Infelizmente, a grande maioria dos médicos ainda não conhece todo o potencial dessa tecnologia.

Com certeza, não é por desinteresse, pois todas as vezes que fazemos palestras sobre o assunto, há uma procura imensa por informações. Até porque, hoje, o próprio paciente leva esse tipo de questionamento para o consultório e o médico precisa estar ciente do que se trata. A Farmacogenética não é a solução de todos os problemas, mas pode ser uma ferramenta muito inteligente e interessante para os médicos”, defende.

Para Carolina, a questão não é apenas desconhecimento ou falta de interesse. Segundo ela, muitos médicos têm resistência e desconfiança em utilizar testes farmacogenéticos. “Na Psiquiatria, por exemplo, não existe nenhum marcador biológico para diagnosticar doenças, como em outras áreas.

Não há como fazer um exame desses para saber se o paciente tem depressão. Quando surge um teste, como o farmacogenético, eles ficam desconfiados, sem saber se dará certo ou não. É uma área que está crescendo, mas ainda temos muito o que fazer no que se refere a esclarecer a classe médica”, acredita.

Futura área de atuação?

Com todo o potencial que a Farmacogenética apresenta, é natural pensar que, no futuro, ela possa se tornar oficialmente uma área de atuação ou até mesmo uma especialidade médica. “Acredito bastante que, mesmo ainda havendo muita coisa para melhorar e avançar, a Farmacogenética pode se tornar uma área de atuação dos médicos. Afinal, é uma ferramenta que pode ser útil para todas as especialidades e não apenas para os geneticistas”, ressalta Junqueira Dieckmann.

O psiquiatra, porém, reconhece que a adoção de testes farmacogenéticos pela classe médica como um todo ainda deve demorar para acontecer. “Alguns médicos ficam receosos porque são exames novos e que não são baratos. Portanto, não são acessíveis a toda a população. Se, no futuro, eles forem como hemogramas ou exames de ureia ou creatinina, o médico terá à disposição dados muito importantes para guiá-lo na melhor escolha para o tratamento do paciente”, conclui.