Considerados super-heróis por diversos pacientes, os médicos são conhecidos por seu poder de ajudar a quem precisa e pela capacidade de solucionar os casos mais complexos. Humano, antes de tudo, o médico possui fraquezas, dúvidas e limitações diante de casos inusitados, que não estão descritos em nenhum manual de Medicina. E é justamente essa mensagem que o cirurgião Dário Vianna Birolini transmite com o livro A estratégia da lagartixa. Com muito humor, a obra reúne casos inusitados que compõem os bastidores da Medicina. Em um bate-papo com o DOC Academy, o autor contou os motivos que o levaram a escrever o livro.
DOC: O que o levou a escrever o livro e qual é seu principal objetivo?
Dário Vianna: Sempre me interessei por casos clínicos e acontecimentos envolvendo o dia a dia da profissão, que fossem diferentes, interessantes, inusitados. Apesar de colecioná-los, não sabia o que fazer com eles. Certo dia, ao me dar conta do quão turva e errônea é a visão que muitas pessoas ainda têm dos médicos e da Medicina, resolvi utilizá-los para mostrar, de forma crítica, porém envolvente, como nós e nossa ciência somos limitados e falhamos.
DOC: Qual a analogia entre a estratégia da lagartixa e os médicos?
DV: Quando uma lagartixa está acuada por um predador, ela seciona sua própria cauda. Enquanto seu membro amputado se contorce violentamente, chamando a atenção do ser que a ameaça, ela consegue, apesar de ferida, fugir e sobreviver. Nós, médicos, permitimos que fosse criada uma imagem muito distorcida da nossa profissão, sob a qual os insucessos parecem frutos apenas da incompetência ou da falta de recursos materiais. Isso leva os pacientes a uma expectativa totalmente equivocada e que acaba nos prejudicando. Para que possamos “salvar” nossa profissão, penso que devemos expor suas imperfeições e nossa humanidade.
DOC: Os casos relatados no livro ocorreram durante sua prática ou são fictícios? Qual foi sua principal inspiração para escrevê-los?
DV: Os casos, da forma que estão no livro, são fictícios, mas se baseiam em fatos que ocorreram, seja em outro contexto, época ou local. Nenhum deles foi totalmente inventado, o que me poupou inspiração.
DOC: Na prática diária da Medicina, muitas vezes o profissional não sabe como resolver situações emergenciais inusitadas. De que maneira esse tema é tratado no livro?
DV: Hoje é muito comum vermos jovens médicos extremamente seguros de sua opinião ou conduta clínica, uma vez que dispõem de um smartphone. Entretanto, esse colega certamente vai se deparar com casos que não são contemplados por qualquer estudo ou protocolo. Nessas situações, o que vai importar é sua experiência, bom senso e, até, criatividade. Isso fica ainda mais claro nas emergências médicas, quando não temos muito tempo para pensar ou discutir com outros colegas. Tentando minimizar este problema, escrevi jocosamente o pequeno manual para situações inusitadas no livro.
DOC: O médico é considerado um profissional sério e objetivo pela maioria dos pacientes. Como o senhor analisa essa questão?
DV: Acredito que o médico deva ser um profissional sério. Mas essa seriedade em relação ao trabalho, postura ética, respeito e discrição não deveriam ser traduzidos por mal humor, frieza ou distanciamento. É muito melhor para os doentes serem “cuidados” do que só “tratados” por nós. Isso também requer, de nossa parte, um pouco de emoção. Por outro lado, o médico necessita pensar com clareza e as emoções podem atrapalhar nesse momento. É aí que entra o “escudo protetor” que o médico aprende a desenvolver.
DOC: Como realizar um atendimento grave com leveza e simpatia?
DV: O treino e o profissionalismo podem ajudar, mas a leveza, às vezes, é impossível. Contudo, sempre tentamos. Apesar de ser importante mantermos uma distância emocional para que possamos raciocinar com clareza, tentar sentir o que o outro está passando é muito importante para ajudá-lo da melhor forma possível.