[__]

Telemedicina e o debate sobre o futuro da Saúde

Por:

Bruno Aires

- 10/01/2020

telemedicina

Desde que a tecnologia da informação começou a ganhar espaço em todo o mundo, as distâncias passaram a ser menores. Muitas pessoas imaginam que vivemos, hoje, em uma realidade próxima à dos filmes de ficção científica. Prova disso é que conseguimos falar com quem está distante – até mesmo do outro lado do planeta – em poucos segundos por meio de mensagens, vídeos e áudios em celulares, redes sociais e outros dispositivos digitais.

Já que tudo isso invadiu nosso dia a dia, era de se esperar que também invadisse os consultórios e, de quebra, impactasse na relação médico-paciente. Um termo passou a ser muito falado nos últimos tempos: a Telemedicina.

O debate ganhou mais força depois que uma polêmica resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) foi publicada em 6 de fevereiro. O documento definia o que é a Telemedicina e de que forma ela poderia ser exercida no país, além de regulamentar toda a questão no Brasil.

Porém, a resolução não foi bem recebida pelos conselhos regionais de Medicina (CRMs), que criticaram vários pontos do documento. Devido aos debates que surgiram, o CFM decidiu revogar a resolução em 22 de fevereiro, analisar as sugestões e críticas recebidas e recomeçar o debate para desenvolver um novo documento.

Debate sobre Telemedicina no Brasil

Telemedicina no Brasil

 

Para o presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro (Cremerj), Sylvio Provenzano, a grande crítica à resolução do CFM é que ela era abrangente demais, sem estabelecer claramente responsabilidades e limites para a Telemedicina.

O Cremerj foi um dos conselhos regionais que mais criticou a resolução. Procurados pela nossa equipe de reportagem, o CFM e o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp), outro grande crítico ao documento, não quiseram se manifestar, alegando que os debates sobre o tema ainda estão acontecendo.

Provenzano explica que toda a polêmica surgiu porque o CFM publicou a resolução 2.227/2018 sem o parecer dos conselhos regionais. “Havia uma reunião marcada para que os presidentes dos conselhos discutissem a resolução. Mas fomos surpreendidos com a promulgação antes de essa reunião acontecer.

Quando a reunião aconteceu, o que fizemos foi listar uma série de não conformidades que detectamos no texto. Por exemplo: no artigo 4º, não é dito que seria necessária a consulta médica presencial inicial. Então, quem faria essa primeira avaliação? Quem ficaria responsável pelas decisões diagnósticas?”, questiona.

O presidente do Cremerj ressalta que o órgão aceita a Telemedicina como uma realidade já presente na Saúde brasileira e que precisa ser regulamentada o quanto antes. Porém, o que Provenzano defende é que haja um grande debate, envolvendo outros segmentos da sociedade, como advogados, professores e jornalistas.

“A nossa preocupação é com o comprometimento do ato médico. Hoje, o médico é o grande responsável por guardar as informações do paciente. E, na Telemedicina, isso ficaria sob responsabilidade de uma empresa de tecnologia. Como fica o sigilo? Um hacker pode invadir e colocar tudo na rede”, alerta.

Segundo o presidente da Associação Brasileira de Telemedicina e Telessaúde (ABTms), Humberto Serra, a resolução do CFM representaria um grande avanço para a Saúde no Brasil, ampliando o acesso dos serviços médicos à população. “Toda mudança de paradigma tem suas resistências e não seria diferente com a classe médica. Acho que faltam esclarecimentos para romper essas resistências. De qualquer maneira, assim como o Conselho Federal de Psicologia (CFP) já fez, regulamentando o atendimento à distância, essa é uma iniciativa esperada por todos os conselhos da área da Saúde”, afirma Serra, que também é coordenador do Núcleo Estadual de Telessaúde do Maranhão.

Luiz Ary Messina, coordenador nacional da Rede Universitária de Telemedicina (Rute), acredita que a regulamentação do CFM seria uma tranquilidade para um setor que já existe no país há pelo menos 15 anos.

“Como não foi assim, vejo esse momento como uma oportunidade para a classe médica ser confrontada com uma questão ainda pendente. Na década de 1970, isso aconteceu com os bancos, com a automação de processos. O mesmo aconteceu, nas décadas seguintes, com as indústrias. Está na hora de acontecer com a Saúde”, destaca.

Contribuições para o futuro da Medicina

A Telemedicina é definida pela resolução do CFM como o exercício da Medicina mediado por tecnologias para fins de assistência, educação, pesquisa, prevenção de doenças e de lesões e promoção da saúde.

“Nos tempos atuais, é importante registrar que a Telemedicina é a ferramenta com maior potencial para agregar novas soluções em saúde e que muitos dos procedimentos e atendimentos presenciais poderão ser substituídos por interações intermediadas por tecnologias.

Porém, não se deve esperar que se torne um remédio para todos os problemas de assistência à saúde”, explica Aldemir Humberto Soares, conselheiro-relator da resolução 2.227/2018, em texto publicado em anexo ao documento do CFM.

No mesmo documento, Soares ressalta o quanto a Telemedicina pode contribuir para o atendimento das demandas por saúde em lugares remotos do país “A Telemedicina foi originalmente criada como uma forma de atender pacientes situados em locais remotos, longe das instituições de saúde ou em áreas com escassez de profissionais médicos. Enquanto ela ainda é usada para resolver esses tipos de problemas, ao mesmo tempo vem se tornando cada vez mais uma ferramenta para cuidados médicos. A Telemedicina é uma evolução natural dos cuidados de saúde no mundo digital. A cada dia, torna-se mais indiscutível a capacidade que ela tem de melhorar a qualidade, a equidade e a acessibilidade”, afirma o relator.

Humberto Serra concorda que a Telemedicina tem potencial para solucionar grandes problemas da Saúde no Brasil. “Nos países em desenvolvimento, ela pode ampliar o acesso aos serviços médicos especializados em locais que não contam com especialistas ou serviços especializados.

Também pode atuar na melhoria da qualidade da atenção à saúde, na redução do tempo gasto entre o diagnóstico e a terapia, na racionalização de custos e no apoio à vigilância epidemiológica, auxiliando na identificação e no rastreamento de problemas de saúde pública”, lista o presidente da ABTms.

Dúvidas sobre Telemedicina

O presidente do Cremerj ressalta que a Telemedicina seria uma grande contribuição, sem dúvidas, para a Saúde no país, se houvesse estrutura para tal. “Como posso fazer Telemedicina em lugares remotos do país, onde certamente há dificuldade de conseguir uma banda larga suficiente para compartilhar essas informações em tempo hábil? Se em uma cidade como o Rio de Janeiro, a segunda maior do país, temos problemas com a internet, onde a banda larga fica ‘estreita’ demais e cai, como seria isso no Oiapoque (AP), em Santarém (PA) ou em Quixadá (CE)?”, questiona Sylvio Provenzano.

O dirigente destaca que não se trata apenas de melhorar a estrutura tecnológica, mas questões jurídicas e práticas precisam ser definidas e regulamentadas para que a Telemedicina possa se tornar viável no país.

“Há questões legais e de bioética que vêm sendo discutidas com advogados. Outro ponto: de quem é a responsabilidade e quem recebe por determinados procedimentos? Vou dar um exemplo: especialistas se reúnem em um hospital em São Paulo para assessorar um procedimento de cirurgia robótica em um lugar remoto.

O responsável é o médico que está a distância, disponibilizando conhecimento, tempo e experiência, ou o que está presencialmente assistindo o paciente? Como será o pagamento desses médicos? Quem fica responsável pela segurança das informações? Essas são algumas das perguntas ainda sem resposta”, afirma.

Perguntas sem respostas não vêm apenas do presidente do Cremerj. Para o coordenador da Rute, Luiz Ary Messina, a maioria da classe médica no Brasil não sabe o que é a Telemedicina. “As pessoas têm que ser treinadas sobre isso.

Entre as faculdades de Medicina, você conta nos dedos as que têm alguma disciplina que trata sobre a Telemedicina na graduação. Ou seja, falta conhecimento. Soma-se a isso outras razões, como o receio de parte da classe médica de perder espaço para grandes corporações, muito mais bem preparadas tecnologicamente”, acredita.

Messina, porém, ressalta que a Telemedicina já é uma realidade e cabe ao médico correr atrás para entender melhor sobre o assunto. “O desconhecimento é um problema que pode ser resolvido à medida que os médicos tomem ciência do que se trata e se informem, lendo ou participando de congressos.

A Telemedicina já é uma realidade. As pessoas que não querem entender como é esse processo acabam atropeladas. Em países continentais, como Brasil, Rússia, China, Índia, Estados Unidos e Canadá, é impossível ter um especialista em todas as cidades. Isso é possível com a Telemedicina, mesmo que à distância”, defende.

Modalidades de Telemedicina

  • Teleconsulta: consulta médica remota, com médico e paciente em diferentes espaços geográficos.
  • Telediagnóstico: emissão de laudo ou parecer de exames, com envio de imagens e dados pela internet.
  • Teleinterconsulta: troca de informações e opiniões entre médicos, com ou sem a presença do paciente.
  • Telecirurgia: procedimento feito por robô, manipulado por um médico que está em outro local.
  • Teleconferência: grupo de médicos que se reúne para receber e debater sobre imagens, dados e áudios.
  • Teletriagem: avaliação a distância de sintomas para direcionar o paciente ao tipo de assistência necessária.
  • Teleorientação: declaração para contratação ou adesão a plano de saúde.
  • Teleconsultoria: troca de informações entre médicos e gestores sobre procedimentos de saúde.
  • Telemonitoramento: avaliação da saúde do paciente, evitando ida ao pronto-socorro ou casa de repouso.

História da Telemedicina no Brasil e no mundo

Idade Média – Na Europa, por conta da peste que devasta o continente, é registrado o primeiro caso de Telemedicina da história. Um médico se isola na margem de um rio para atender a distância os pacientes na margem oposta.

Século XIX – Com a invenção do telégrafo e do telefone, o envio de laudos de exames se torna realidade.

1910 – Em Londres, SG Brown inventa o estetoscópio eletrônico, capaz de transmitir sinais por até 50 milhas de distância.

Segunda Guerra Mundial (1939-1945) – Durante o conflito, rádios são utilizados para conectar médicos em diferentes lugares, trocando informações.

Década de 1960 – É criado, na cidade de Norfolk, nos Estados Unidos, um sistema de comunicação entre hospitais. O sistema permite, ainda, a realização de videoconferências entre pacientes e familiares, que muitas vezes estão em lugares distantes.

Década de 1970 – Surge a transmissão de dados para diagnósticos. Um exemplo é a criação de um serviço na Groenlândia para receber suporte de saúde de hospitais da Dinamarca.

1993 – Criada a Associação Americana de Telemedicina (ATA), entidade pioneira do tema no mundo.

Década de 1990 – Surgem as primeiras iniciativas de Telemedicina no Brasil, com realização de laudos de exames a distância e videoconferências.

Décadas de 2000 e 2010 – Cresce a Telemedicina no Brasil e no mundo. Com a evolução tecnológica, criação de dispositivos móveis e democratização da internet, a Telemedicina ganha força para atender, principalmente, pacientes em lugares remotos.