O segredo é um dos mais antigos princípios da tradição médica. Contudo, em que pese essa transcendência, a própria Medicina, em seu progresso, impõe uma evolução que aos poucos, vai substituindo aquela deontologia clássica e universal por um sistema de normas adaptáveis à realidade atual. E, por essa contextualização, paga-se o preço de ser, hoje, o sigilo médico um dos mais controversos e polêmicos assuntos éticos devido à multiplicidade de aspectos que se oferecem.
A categoria médica entende o real valor do sigilo como forma de proteção do paciente, de sua família e da sociedade em geral. O sigilo pertence ao paciente e o médico é o depositário das informações. Sua observância remonta às Promessas de Hipócrates e está presente no dia a dia de cada médico: nos atendimentos, nas conversas entre colegas de profissão, em suas aulas, conferências, publicações científicas, depoimentos à polícia e à justiça etc. e assim deve continuar.
Quando o Sigilo Médico pode ser quebrado?
O sigilo médico pode ser quebrado em 3 situações sem configurar delito ético, que são:
- por expressa autorização do paciente;
- por dever legal;
- por justa causa.
Entendendo o sigilo como o elemento fundamental para que sejam respeitadas a privacidade e a confidencialidade do paciente, podemos fazer uma análise bioética, incluindo situações em que sua quebra encontra eco e respaldo dentro dos princípios norteadores da conduta médica. Dessa maneira, conseguimos contextualizar a quebra do sigilo harmonizando os aspectos deontológicos e legais a partir dos princípios bioéticos.
Uma análise a partir desses princípios vai nos trazer os seguintes entendimentos:
- A não maleficência justifica a quebra do sigilo quando existir alta probabilidade de acontecer sério dano físico a uma pessoa identificável e específica;
- A beneficência justifica a busca de um benefício real resultante da quebra de sigilo;
- A autonomia justifica-se como o último recurso, depois de esgotadas todas as abordagens para determinada conduta;
- A justiça aprova a mesma tomada de decisão em situações idênticas e quando implicar no benefício a outras pessoas (o coletivo sobrepondo-se ao individual).
A justa causa está caracterizada no estado de necessidade, na legítima defesa e no exercício regular do direito. Essa situação exprime, em sentido amplo, toda a razão que possa ser utilizada como justificativa para a prática de um ato excepcional, fundamentado em razões legítimas e de interesse ou procedência coletiva. Assim, entende-se como uma razão superior relevante do que seria, a princípio, uma falta.
A literatura especializada nos mostra exemplos bem elucidativos dessas situações. Vejamos:
- Caso de um candidato ao preenchimento de uma vaga profissional como motorista de transporte coletivo, sendo portador de epilepsia. Nesse caso, o médico do trabalho da empresa contratante, respaldando-se na justa causa como preservadora dos direitos individuais das pessoas que se utilizam dos serviços de transporte coletivo desta, ao comprovar a doença, deverá comunicá-la a seus administradores para que estes tomem a decisão de não contratar o referido candidato;
- Outro exemplo de justa causa é o caso de um funcionário de um setor onde existam muitos outros no mesmo ambiente e esse funcionário é portador de tuberculose em fase de contágio, com o risco grande de contagiar seus colegas de trabalho. Nessa situação, o médico tem a justa causa para a quebra do sigilo, para informar aos superiores daquele funcionário a doença e sua real situação de risco para a coletividade do trabalho;
- Outra situação é aquela em que um paciente com aids se recusa a informar à companheira, caracterizando um estado de necessidade. Essa recusa de informação pode causar um dano à mulher que dá ao médico o direito à quebra do sigilo para a devida informação;
- Uma adolescente grávida que procura o médico para orientação e pede sigilo. A quebra do sigilo com a informação da gravidez aos responsáveis encontra respaldo no princípio de beneficência, pois busca um benefício real para a jovem que vai precisar de pré-natal e todos os cuidados próprios da situação. Encontra também respaldo no princípio de não maleficência, pois a não revelação aos responsáveis poderia causar dano à paciente em função de possíveis intercorrências na gravidez.