Em nossa carreira profissional existem histórias e casos vivenciados no início de nossa trajetória, que recordamos com frequência e se tornam referências em nossas atitudes.
Em minha formação acadêmica, lembro-me de um fato de 1990, quando estava no internato, que lapidou em mim um comportamento que me acompanha até hoje. Acompanhando o round na Enfermaria de Clínica Médica do hospital-escola, sob supervisão de um professor admirado por mim, nos defrontamos frente à necessidade em conseguirmos um acesso venoso profundo para um paciente que precisava naquele momento desse procedimento. Independentemente da interpretação que hoje eu possa ter em relação ao vulto que representava aquele evento, naquele momento tratava-se da postura que assumiria o líder de uma equipe, o profissional mais experiente, o professor junto a seus alunos, frente a uma situação adversa que envolvia a segurança da vida de uma pessoa.
Indo de encontro a minha expectativa e admiração, o professor apresentou-se para resolver o problema, solucionou-o e, o mais importante, ajudou o paciente. Passado aquele instante quando as decisões precisam ser resolvidas rapidamente, alguns minutos após ficarmos sozinhos no estar médico, ele falou para mim: “Apesar de tudo ter ocorrido de forma satisfatória, sempre pense antes de colocar em risco sua reputação na ponta de uma agulha”.
Em um primeiro momento, julguei que aquela afirmação era oposta ao que eu havia presenciado minutos antes. Confesso que sustentei esse julgamento por alguns anos até que a maturidade me fez perceber que aquela fala, precedida da ação a favor do paciente, apenas sugeria que não devemos nos omitir nas decisões que beneficiem o paciente, mas devemos sempre usar a prudência nessas decisões. E, ainda mais, devemos sempre estar preparados técnica e afetivamente para tomarmos a melhor decisão quando a situação exigir.
Compreendendo a metáfora
A partir dessa compreensão, adotei uma metáfora pessoal. Em cada decisão que preciso tomar em minha vida, imagino que estou frente a uma penalidade máxima no futebol e que devo apresentar-me para cobrá-la, sem omitir-me, fazendo ou não o gol. Preparar-me para que na maioria das vezes possa convertê-la em um resultado positivo é uma regra. Entretanto, a regra mais importante é ter atitude frente ao problema, independente do resultado, porque sempre existirão variáveis que não dominaremos totalmente.
Em várias situações de nossa carreira, esse pênalti aparece, seja em histórias da investigação diagnóstica de um paciente, na emissão de um parecer ou um laudo em que precisamos nos comprometer, na conversa sincera com alguém que estamos tratando ou em uma tomada de decisão gerencial quando coordenamos equipes, divisões médicas ou empresas de saúde. Portanto, não podemos, mesmo frente ao medo que todos temos em errar, fugirmos a uma responsabilidade da qual dependam pessoas, vidas e histórias. Como aprendi há anos, entre o receio com as adversidades que podem ocorrer na ponta de uma agulha e a convicção para resolvermos as penalidades, fiquemos com a segunda opção.