O conceito de value-based healthcare (VBHC) pode parecer novo para os profissionais da Saúde, porém ele já vem sendo estudado há alguns anos. O termo VBHC, traduzido para o português como Cuidados de Saúde Baseados em Valor, foi originado pela pesquisa de Michael Porter, em 2014, na Universidade de Harvard, e trata-se de uma iniciativa de reestruturação dos sistemas de saúde em todo o mundo, que surgiu como uma alternativa para lidar com o alto custo dos cuidados em saúde e a ineficiência clínica.
O VBHC tem como seus principais objetivos:
- Fornecer valor em saúde para os pacientes
- Conter a escalada de custos
- Oferecer mais conveniência e serviços aos clientes
Como funciona?
De acordo com o Instituto para Estratégia e Competitividade de Harvard, para aplicar o conceito de value-based healthcare nas organizações de saúde, é preciso seguir seis pilares, sendo eles:
- Organizar o atendimento em torno das condições médicas
- Medir resultados e custos para cada paciente
- Alinhar modelos de reembolso que recompensam os melhores resultados e a eficiência do atendimento
- Integrar os sistemas com prestação de cuidados regionais organizados em torno da correspondência entre o provedor, o tratamento e o ambiente corretos
- Utilizar centros nacionais de excelência que atendem pacientes extremamente complexos
- Implementar um sistema de tecnologia da informação projetado para apoiar os principais elementos da agenda.
Modelo atual versus VBHC: principais diferenças
O sistema de value-based healthcare é um conceito que busca inovar toda a estrutura de atendimento atual. Seus principais diferenciais são:
- Remuneração por performance
Este modelo é baseado em recompensar os profissionais conforme a melhora do paciente. Ou seja, há um incentivo para que os médicos e hospitais trabalhem a fim de que haja recuperação real do quadro do paciente. É interessante observar que o modelo de remuneração por performance vem sendo estudado para substituir o fee for service no Brasil e, nesse cenário, o VBHC é uma ferramenta de estratégia empresarial que pode auxiliar as organizações de saúde no aprimoramento dos serviços.
- Atendimento integrado
O modelo VBHC baseia-se em uma abordagem coordenada, liderada pelo médico principal, na qual os cuidados primários e especializados são integrados. O objetivo desse modelo é reunir todas as informações cruciais do paciente em um único lugar para que possam ser acessadas a qualquer momento; por isso, existe um compartilhamento de prontuários eletrônicos entre toda a equipe médica que cuida do caso. Assim, os profissionais podem ver os resultados dos exames realizados por outros clínicos da equipe.
- Atendimentos responsáveis
Em diversas situações, o modelo atual foca mais na quantidade de exames e procedimentos realizados do que na evolução do quadro de saúde do paciente. Já no modelo VBHC, a ideia é que haja uma parceria entre paciente e profissional nas tomadas de decisão.
O atendimento responsável busca oferecer alta qualidade a um custo menor, no qual os colaboradores trabalham juntos para que o serviço coordenado seja o melhor possível. Todos possuem as mesmas metas e compartilham as recompensas também.
Desafios
Apesar das vantagens listadas acima, o Brasil tem grandes desafios a serem enfrentados para implementar o modelo VBHC. Entre os maiores estão:
- Reduzida disponibilidade de dados de custos e desfechos em saúde
- Múltiplas diferenças de população e estrutura ao longo do território nacional
- Baixos valores financeiros disponíveis para a saúde
A falta de transparência nos processos também pode ser um dos maiores desafios na implementação desse modelo no país, visto que a falta de confiança dos pacientes com os órgãos e operadoras de saúde é um problema antigo na relação médico-paciente.
Por isso, de acordo com especialistas, para termos um sistema de saúde sustentável e baseado em valor para o paciente é preciso equilibrar três fatores primordiais: a satisfação do usuário, a qualidade da assistência prestada e os custos, que devem ser adequados.
O que as operadoras de saúde pensam sobre a mudança de modelo para o VBHC?
Uma recente publicação da revista Consumidor Moderno revelou que o Brasil é um dos países que mais realizam exames médicos no mundo. Ainda de acordo com a publicação, o mercado nacional vem buscando por uma maior verticalização no atendimento. Com o alto número de exames realizados, os planos de saúde estão centralizando os serviços médicos.
Por isso, para as operadoras, todas as formas de pagamento por performance reduzem gastos, pois não há incentivo financeiro para que médicos solicitem exames se isso não for impactar positivamente no desfecho do caso.
Porém, para implementar o VBHC, as métricas são fatores críticos de sucesso e podem minimizar seus impactos negativos, assim como maximizar os positivos. O problema apontado por especialistas é que ainda não há métricas estabelecidas que permitam avaliar quando houve valor para o paciente, pois cada caso é único.
De qualquer forma, é possível entender que no modelo de verticalização as operadoras passam a ter um controle maior sobre os seus custos, centralizando os serviços nos planos de saúde, reduzindo, assim, os gastos com pagamentos de exames externos. Além disso, esse modelo ajuda a minimizar o número de exames complementares e tratamentos desnecessários, gerando economia às operadoras e melhores resultados para os pacientes.
Mas e a opinião médica?
Do acordo com Frederico Pena, presidente da Sociedade Brasileira de Administração em Oftalmologia, a discussão sobre mudanças no modelo de remuneração e atendimento é bem antiga no ciclo médico. “Desde 2016, a Diretoria de Desenvolvimento Setorial criou um grupo de estudo sobre o tema e em 2017 houve uma segunda rodada de reuniões, até que em 2019 foi editado o Guia para Implementação de Modelos de Remuneração baseado em valor, que se tornou um documento importante para a orientação no mercado de saúde suplementar”, afirma.
Frederico acredita que os médicos são a favor do modelo VBHC, pois ele é visto como uma oportunidade para a evolução do sistema de saúde. “Não há quem seja contrário a esta ideia. O problema é a gente subverter a ideia e fazer dessa excelente oportunidade algo que não irá resultar no interesse de todos. Então para que tenhamos efetivamente o atendimento baseado em valor é preciso ter transparência, diálogo e uma confiança entre os elementos do sistema”, alerta.
Além disso, o médico pontua que para conseguirmos implementar este sistema aqui no país, o primeiro passo é criar ferramentas métricas para mensurar o valor para cada paciente. “É primordial que se tenha a discussão de como medir, qual a ferramenta será definida como a de interesse de todos os elementos desse sistema, para chegar ao melhor equilíbrio”, diz.
Por fim, Frederico reitera que precisamos ter um modelo ideal para o usuário, e não só para as operadoras ou para os médicos. “Operadoras e prestadores de serviços têm dificuldade em dialogar e muitas vezes vemos as operadoras tentando criar sistemas que facilitem seu controle sobre os custos, mas não necessariamente se preocupando com a qualidade do resultado. As operadoras e prestadores têm que estar em um nível de relacionamento mais transparente e mais maduro para que o sistema evolua para o paciente”, conclui.