Em 2012, na edição #23, a Revista DOC fez uma espécie de exercício de Futurologia, prevendo como seria a Medicina dali a dez anos. Agora, resgatamos o que foi dito naquele período e avaliando o que está em prática no dia a dia. Por isso, conversamos com os profissionais da matéria de 2012 para avaliar o que se tornou realidade nessa última década e o que podemos esperar para o próximo ano.
Atualmente, a tecnologia já faz parte de diversos aspectos, como transporte, alimentação e transações bancárias, permitindo, assim, a conexão entre pessoas e a otimização de processos. Na Medicina, esse cenário não seria diferente: as novas tecnologias implementadas avançam em passos largos, especialmente em tempos de pandemia, trazendo melhorias para médicos, pacientes e para a gestão das instituições.
Para Abel Magalhães, professor de Informática em Saúde do MBA em Gestão em Saúde da Coppead, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), houve uma grande evolução desse setor na área da Saúde, permitindo assim a integração das informações e facilitando o trabalho dos profissionais envolvidos.
O que acertamos?
Em 2012, a tecnologia na Medicina tinha grande potencial de desenvolvimento. Hoje, em 2021:
- A telemedicina se tornou uma ferramenta potencializada devido à pandemia de Covid-19
- O prontuário eletrônico, que antes era apenas uma iniciativa, passou a integrar o dia a dia do médico
- O ultrassom portátil, aparelho denominado de novo estetoscópio, agiliza diagnósticos em atendimentos de emergência
- A Tecnologia da Informação na Medicina, que ainda recente há uma década, hoje está altamente difundida no setor da Saúde
Telemedicina
A pandemia de Covid-19 acelerou a adoção de algumas tecnologias e formas de atender o paciente, como a Telemedicina, modalidade de atendimento que já existe há alguns anos, mas que só foi regulamentada pelo Ministério da Saúde em 2020. Segundo o especialista Cláudio Giuliano, membro da Câmara Técnica de Informática em Saúde do Conselho Federal de Medicina (CFM), a pandemia fez a Telemedicina “explodir”.
“Foi disruptivo! Hospitais que tinham 20 teleconsultas por dia passaram a ter centenas. Por outro lado, muitos serviços de Telemedicina foram implantados às pressas, sem o devido controle de qualidade e de segurança, com infraestrutura precária. Então, como qualquer explosão, houve muitos efeitos colaterais que precisam ser ajustados”, avalia o médico.
De dez anos para cá, a Telemedicina ganhou novos recursos de inteligência artificial e de conectividade e, hoje, é essencial para tratar pacientes que não podem se deslocar até clínicas e hospitais para serem atendidos. Para Abel Magalhães, nessa interação, o médico realiza a análise utilizando plataformas de atendimento ao paciente, desde o WhatsApp a sistemas desenvolvidos sob medida para esse fim. Ele lembra, ainda, que o atendimento remoto precisa ser registrado em um prontuário. Além do atendimento médico em si, a consulta remota pode resultar na necessidade de prescrição médica.
“Atualmente, no Brasil, pode-se enviar ao paciente uma prescrição digital se o médico individualmente possuir uma certificação de assinatura digital da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil)”, explica. Ele ressalta que a Telemedicina não substitui a Medicina tradicional, baseada no encontro presencial entre o médico e seu paciente.
Prontuário eletrônico
Muitas das ferramentas que foram previstas estão sendo utilizadas frequentemente, como é o caso do prontuário eletrônico, que reúne o histórico do paciente, os tratamentos efetuados, os exames realizados, os diagnósticos e as medicações prescritas. Os dados de saúde ficam registrados de forma eletrônica e armazenados de maneira segura na nuvem, podendo ser acessados por médicos e outros profissionais que cuidam do paciente, inclusive de forma remota.
Segundo Cláudio Giuliano, o Prontuário Eletrônico do Paciente (PEP) é agora uma ferramenta básica, ou seja, passou a ser parte integrante, indissociável e imprescindível do atendimento médico no ambulatório ou hospital. “Ferramentas como o PACS (do Inglês, picture archiving and comunication system) se tornaram obrigatórias. Não há um serviço de imagens sem um PACS. Dessa maneira, o médico pode ter acesso às informações do paciente muito facilmente”, explica o médico.
Relação médico-paciente
Com o advento da internet, mudanças no cenário da saúde e na relação médico-paciente impressionaram pela sofisticação e pela rapidez com que foram incorporadas. Abel Magalhães ressalta que hoje, de qualquer lugar do mundo, o paciente pode ter acesso ao seu médico por meio de um smartphone, tablet ou computador. “Essa facilidade lhe permite pedir orientações, agendar uma consulta, esclarecer dúvidas sobre sua patologia e seu tratamento sem ter que sair do conforto da sua casa ou trabalho. Em caso de urgência, possibilita entrar em contato com seu médico, em poucos instantes, evitando deslocamentos desnecessários, automedicação e longas horas de espera em emergências”, acredita.
O próximo ano
O Brasil vem de uma das maiores crises de sua história. As turbulências não ficaram totalmente para trás, mas sinais de recuperação e estabilidade, mesmo que tímidos, já podem ser percebidos. Abel Magalhães aponta algumas das tendências e grandes desafios do setor da Saúde para 2022, segundo a visão de diferentes lideranças e especialistas da Saúde. Confira a seguir:
Medicina diagnóstica: o mercado de Medicina diagnóstica é um dos que mais evolui e inova a cada ano. O avanço de tecnologias permite que os exames de diagnóstico sejam realizados em grande escala, em menor tempo, com melhor qualidade e precisão. As tendências apontam para um cenário de desenvolvimento, com o surgimento de diversas healthtechs focadas em soluções nos diversos segmentos que permeiam os cuidados do paciente.
Saúde 5.0: a Saúde no Brasil tem evoluído muito nos últimos anos com a chegada de novas tecnologias, como soluções paperless, Telemedicina, inteligência artificial, IoTs (internet of things), wearables (recursos vestíveis) e a própria Medicina de Precisão, que possibilita tratar o paciente de modo personalizado com o estudo genômico. Um dos desafios já em discussão da Saúde 5.0 é manter o paciente como o foco principal do processo, contando com a otimização no atendimento e no tratamento por meio da automação dessa jornada, mas, ainda assim, proporcionando um cuidado humanizado.
Qualidade de vida: embora existam motivos para preocupações, a indústria farmacêutica tem sido otimista com o futuro imediato do país. Quanto à ciência, ela tem caminhado cada vez mais para tratamentos personalizados e complexos, como as terapias gênicas e os novos tratamentos biológicos. “Ao observar essas abordagens, precisamos levar em conta não apenas a sobrevida do paciente, mas também a qualidade de vida, com controle de sintomas e resgate da autonomia. O papel do setor produtivo é participar da discussão com o governo e as agências reguladoras, para que as novas tecnologias possam ser trazidas ao Brasil de maneira segura para o paciente”, acredita Abel Magalhães.
Atenção ao paciente: com a tecnologia cada dia mais presente em nossas vidas, a expectativa é que os médicos estejam preparados para atender os pacientes da melhor forma, com agilidade e precisão das informações. Assim, temas como internet das coisas e transformação digital devem ser olhados com muita atenção pelos gestores da Saúde. Mesmo com toda a tecnologia a favor, não se pode deixar de lado itens como atenção ao paciente e tudo que o cerca.
Qualificação humana: depois de muitas perdas de leitos e fechamento de hospitais, é preciso ter confiança no crescimento da economia, no desenvolvimento da saúde, e, também, da educação, pois, para se ter um setor de qualidade, a qualificação é o principal instrumento de avanço e evolução. “Acredito que estamos no momento de investir na qualificação humana. Não há dúvidas de que a tecnologia continuará evoluindo e se inovando. O que precisamos é cuidar da formação dos profissionais. Será o ano da consolidação de tecnologias digitais, não apenas como ferramentas de gestão, mas também de assistência, a exemplo da Telemedicina e da tecnologia 3D”, afirma Magalhães.
Demanda permanente: os principais desafios da saúde são: mudanças nas relações entre pagadores e fornecedores; restrições do orçamento público para o setor da saúde; maior demanda da população em relação à saúde, principalmente pelo envelhecimento populacional; maior demanda por novas tecnologias e novos tratamentos. “Três temas tendem a ser bastante abordados em 2022: modelos de pagamento, tabelas do SUS e saúde corporativa. Acredito que a saúde tem perdido espaço nas discussões públicas. Nos períodos eleitorais, a Saúde é a demanda número um da população. É preciso que essa demanda seja permanente”, defende o médico.