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Jornada da Pejotização

Por:

Jessica Costa

- 04/01/2022

Ser ou não ser PJ? Eis a questão.

Um movimento crescente na área da Saúde, a pejotização gera dúvidas, traz vantagens e desvantagens e constrói um novo cenário para os profissionais. Confira uma entrevista especial sobre esse assunto

 Um fenômeno que vem crescendo nos últimos anos na área da Saúde é a chamada “pejotização”. Antes de mais nada, é preciso entender o que significa esse termo. A palavra pejotização deriva da sigla PJ, cujo significado é “pessoa jurídica”. Esse movimento ocorre porque, na contratação da mão de obra dos médicos, não é a própria pessoa física do profissional que presta os serviços, mas, em tese, uma pessoa jurídica por ele constituída.

Para entendermos mais sobre o tema, convidamos o médico Nelson Nahon, ex-presidente do Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro (Cremerj). Na entrevista, o médico faz uma avaliação do movimento de pejotização, comenta sobre o impacto disso na carreira do profissional de Saúde, orienta quais cuidados o médico deve ter aos assinar um contrato de prestação de serviço como PJ. Nahon explica, ainda, como a Justiça do Trabalho vem se posicionando sobre a pejotização dos médicos.

DOC – Hoje, há um movimento em vários setores, inclusive na Saúde, de incentivar a chamada “pejotização”. Como o senhor avalia esse movimento?

Nelson Nahon – Os médicos no setor privado eram contratados normalmente pela CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas), com diversos benefícios. No setor público, era através de concursos públicos. Mas em 2016, com a reforma da lei trabalhista decidida pelo Congresso, passou-se ao processo de pejotização, que está em franca expansão na rede privada. Várias redes hospitalares passaram a só contratar por PJ. Esse é um processo que vem ocorrendo a largos passos, e hoje raramente você tem a contratação pela CLT.

Dúvidas frequentes*:
  • Principal vantagem de se tornar PJ: o imposto de renda de PJ é menor em relação ao de pessoa física.
  • Mulheres grávidas: não podem tirar licença-maternidade com duração de quatro a seis meses, tendo que voltarem ao trabalho com 20 ou 30 dias, porque, à medida que não trabalham, não recebem.
  • Férias do trabalhador PJ: não tem direito de gozar 30 dias de férias e nem recebem por isso.
  • Afastamento por doença: não tem auxílio porque deixa de ter obrigação do empregador. É preciso que ele desconte o valor do INSS, para que tenha acesso ao seguro-saúde.
  • Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS): o médico PJ precisa guardar 8% do que ganha em uma aplicação para ter seu próprio fundo de garantia.
* Informações baseadas nas respostas do entrevistado

DOC – Além da privação dos direitos e garantias trabalhistas, que o médico teria com a contratação “com carteira assinada”, que outras desvantagens a pejotização traz consigo?

NN – Além das privações dos direitos e garantias trabalhistas, outro grande prejuízo que o médico enfrenta com a pejotização é que ele não terá vínculo nenhum com a empresa. Então, a empresa pode quebrar o contrato a qualquer momento. Isso faz com que não se consiga formar grandes equipes nos hospitais como era antigamente. Outro prejuízo que pode ocorrer é em relação às ações na Justiça. Quando o médico responde como pessoa física, como empregado, a obrigação de provar que o médico errou passa a ser do paciente. Ao se tornar um PJ, isso muda: é o chamado ônus da prova. Em algumas situações, pode ocorrer de uma organização social (OS) ser processada e o médico, contratado pela OS como PJ, acaba sendo envolvido nas falhas que essa empresa possa apresentar no seu atendimento.

DOC – A pejotização é um mecanismo usado apenas no setor privado ou já existem iniciativas desse tipo no setor público?

NN – É muito comum nos hospitais federais contratos provisórios por um ou dois anos. O médico vai para um hospital, fica lá por um ou dois anos, depois é dispensado porque já não pode renovar o contrato. O cenário é pior nas OS, onde muitas vezes o profissional é contratado nas unidades de pronto atendimento (UPAs) do município, pela chamada terceirização. Essa é uma relação sem nenhum vínculo. O que a gente encontrava antigamente nos grandes hospitais públicos eram equipes de médicos com vários anos de serviço. Hoje, nas UPAs, encontramos normalmente médicos com pouco tempo de formado, deixando de ter uma continuidade no seu trabalho. Então, também no setor público estamos vendo a pejotização de uma forma extremamente precária.

DOC – O que o médico deve ter atenção ao atuar como PJ?

NN Atualmente, o médico mais jovem não tem outra opção: ou ele vira a PJ ou não será contratado. A grande ilusão é que, em curto prazo, como não se tem o desconto de 27,5% do imposto de renda, o médico está ganhando mais dinheiro. O dinheiro que entra líquido para o médico é maior do que quando ele tem a carteira assinada. Mas isso é um benefício de curto prazo imediatista, mas que em longo prazo pode trazer prejuízo. O cuidado que se deve ter ao assinar o contrato de trabalho na prestação de serviço é ler direitinho. Nesses contratos, o grande perigo são as entrelinhas. Por isso, é importante que um advogado olhe o contrato para ver se tem alguma armadilha. O maior perigo ao assinar o contrato como PJ é o que tem ocorrido com algumas OS, principalmente em algumas UPAs, em que o médico é chamado a ingressar em uma PJ já criado por aquela empresa que tem diversos médicos. Já aconteceu de a OS perder o contrato, então essa PJ deixa de existir porque parou de prestar serviço e não foi dado baixa no CNPJ. Quando o médico pensa que não tem mais vínculo, ele é chamado a prestar contas de uma coisa na qual não participou.

DOC – No atual cenário político no Brasil, como você enxerga esse processo de pejotização?

NN – O que está acontecendo, na verdade, é um processo que começou em 2016, quando se mudou a lei trabalhista. A grande preocupação que a gente tem conversado é que a equipe médica precisa de uma estrutura de anos. Vamos pegar como exemplos o Instituto Nacional de Cardiologia e o Instituto Nacional do Câncer. Os médicos estão lá há alguns anos. Então, são equipes que estão estudando, se aprofundando, se conhecendo e o grande receio é que, com esse sistema de pejotização, em que se deixa de ter o concurso público, se deixe de criar equipes que ficarão juntas por anos.

DOC – Como a Justiça do Trabalho se posiciona sobre a pejotização do médico?

NN – Uma questão que tem acontecido é que, muitas vezes, em ações jurídicas, alguns juízes têm colocado o médico PJ do hospital tão responsável pelo ocorrido quanto a própria instituição. O primeiro passo que o advogado trabalhista tem que fazer na Justiça é dizer que, embora o médico seja PJ, na verdade é como ele fosse um empregado da lei trabalhista, porque ele tem hora de chegar e sair, tem que seguir o protocolo do hospital e não tem autonomia. Na Justiça do Trabalho, já há juízes dizendo que encaram este médico com PJ como um “uniprofissional”, como se ele fosse um empregado, mas de forma burlada pela lei trabalhista.

DOC – Com a pandemia de Covid-19, esse movimento de pejotização se intensificou. Esse crescimento era algo natural e esperado ou foi, de fato, ampliado pelo cenário pandêmico?

NN – Em relação à pandemia, não acredito que tenha intensificado ou não a contratação por PJ. Na verdade, o que está faltando no Brasil – e isso não depende da pandemia – é que o Governo não tem realizado concursos para médicos ocuparem as vagas que existem. No caso do médico que vai para o interior, esse profissional é contratado por dois ou três, anos com salário ou contrato provisório e, quando acaba, aquele contrato pode ou não ser renovado. Acredito que, tendo concursos na rede municipal, estadual e federal, com salários dignos e compatíveis com a profissão e que se tenha uma carreira para seguir, se conseguiria fixar o médico em todos os lugares. No Brasil, faltam médicos no interior, principalmente na região Norte do país. Porém, a relação de médicos por população das grandes capitais, como Rio e São Paulo, principalmente, é acima da relação médico-população da Europa e, mesmo assim, faltam médicos.

 

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