Facebook, Instagram, Twitter, YouTube, Tik Tok, LinkedIn (entre outras): as redes sociais alimentam a internet com milhões de conteúdos todo dia. Não à toa, muitas pessoas passaram a se dedicar na produção de conteúdo para as redes sociais, o que fez surgir a figura do “influenciador digital”. Hoje, vários médicos têm dividido seu tempo entre a atuação na Saúde e a construção de uma nova carreira no universo digital. Porém, apesar de muitas possibilidades, nem tudo é recomendado ou permitido para os médicos na internet.
Segundo o cirurgião plástico Alexandre Kataoka, diretor do Departamento de Defesa Profissional da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP), o passo inicial para o médico nas redes sociais é pensar o que determina o Código de Ética Médica. “O médico deve seguir à risca o que dita o Código, bem como não extrapolar em promessas, sempre guiado também no Código de Defesa do Consumidor. O limite na internet deve ser totalmente ético. Dá muito bem para o médico ser um influenciador digital e, ao mesmo tempo, agir de maneira ética”, pontua.
Exposição
Ser uma influenciadora digital não estava nos planos da cirurgiã vascular Darlene Paixão, mas acabou se tornando uma realidade. Hoje, com mais de 92 mil seguidores no Instagram, a médica conta que as redes sociais a ajudaram a encontrar um caminho para mudar o seu relacionamento com os pacientes. Para isso, ela precisou enfrentar dificuldades – principalmente, o medo e a vergonha de se expor em vídeos na internet.
A cirurgiã conta que sempre gostou de conversar com os pacientes e muitos sugeriam que ela gravasse vídeos sobre o que era falado durante as consultas. A câmera, no entanto, gerava insegurança. “Até que uma paciente minha, que já era blogueira, insistiu para que eu criasse um perfil e me ajudou a gravar um primeiro vídeo, no qual eu me apresentava. Era um vídeo bem simples, mas que bombou. A partir dali, entendi que, para você começar, dá medo, mas tem que ir com medo mesmo”, conta.
Darlene revela que já sempre enfrentou, ao longo da sua carreira, muito preconceito. Sua residência foi voltada para a área arterial da Cirurgia Vascular e muitos pacientes não se sentiam confortáveis por serem operados por uma pessoa jovem – e muitos ainda expressavam verbalmente que se sentiriam mais seguros se fossem operados por um homem do que por uma mulher. Após alguns anos, ela se especializou também na área venosa e passou a tratar varizes em seu consultório.
O que as redes sociais fizeram foi ajudá-la a derrubar muitas barreiras. “Hoje, 90% da minha agenda de consultório é de pacientes que vêm do Instagram. Isso é ótimo, porque são pessoas que já me conhecem, sabem o que eu faço e como falo com os pacientes. Elas não chegam até mim porque o plano ou o hospital indicou, mas sim pelo que eu sou. A relação passou a ser outra, porque o paciente se encaixa melhor no que eu tenho a oferecer. Ele chega querendo uma consulta diferenciada”, acredita a cirurgiã.
Darlene conta, ainda, que o alcance que ela conseguiu com as redes sociais alavancou a sua carreira. No entanto, ela faz um alerta: é preciso se dedicar. “As mídias digitais são, hoje, um veículo maravilhoso para entregar conteúdos para muita gente, o que eu fazia em dose homeopática para um ou outro no consultório. Para isso, o médico precisa enxergar isso como um trabalho. Não é diversão. Tem que se dedicar. Quando o paciente me indica para alguém, ele indica meu Instagram. Virou o meu cartão de visitas”, revela.
Como fazer?
A cirurgiã vascular Darlene Paixão dá dicas para o médico que deseja investir nas redes sociais:
- Entregue conteúdo de qualidade e que faça diferença para o paciente
- Evite jargões técnicos e fale como se estivesse de frente ao seu paciente no consultório
- Faça pequenos registros durante o dia
- Seja verdadeiro e humanize seus conteúdos
- Não tenha medo da câmera nem do improviso, desde que se mantenha nos princípios éticos
- Pense que você está falando com o paciente, não apenas com outros médicos
Embasamento
A ideia de divulgar mais informações sobre os seus serviços foi o que motivou um casal de São Paulo a criar um canal no YouTube: Neurologia e Psiquiatria, que hoje tem mais de 1,1 milhão de inscritos. No entanto, não foi esse o resultado que o canal trouxe. “Postávamos os vídeos e tínhamos uma boa resposta, mas isso, de início, não se traduziu em mais pacientes no consultório”, revela a psiquiatra Maria Fernanda Caliani, que mantém o canal com o marido, o neurologista Saulo Nader.
“Quando percebemos que as respostas dos vídeos eram boas, mas não levavam mais pessoas ao consultório, viramos a chave. Entendemos que o canal deveria existir para fazer o bem, para ajudar o maior número de pessoas possível. Com isso, passamos a investir em conteúdo de qualidade, com embasamento científico. Depois de três anos é que começamos a perceber pacientes chegando à clínica por conta de vídeos que viram no YouTube”, conta.
No canal, Maria Fernanda e Saulo falam de temas relacionados à saúde mental, sempre tentando simplificar os assuntos para que eles possam ser mais facilmente compreendidos pelos pacientes. “As pessoas agradecem, muitas vezes, porque conseguimos fazê-las entender melhor sobre suas próprias doenças. Nossa intenção, desde o início, é levar informação de qualidade, embasado no que há comprovação científica e combatendo a pseudociência e as fake news”, destaca a psiquiatra.
O cuidado com as informações transmitidas na internet permeia todo o trabalho do casal. Antes de gravar cada vídeo, os médicos buscam se atualizar sobre o tema, verificando o que há de mais novo na literatura. Além disso, eles têm o cuidado com a forma como cada informação será transmitida. “Afinal, há um risco ao se expor nas redes sociais. Se você fala uma bobagem, aquilo fica ali para sempre. Caiu na nuvem, não se apaga mais. Por isso, tentamos não cometer deslizes e evitamos falar nossa opinião pessoal. Quando emitimos nossas opiniões, deixamos isso bem claro”, ressalta Maria Fernanda.
Para a psiquiatra, as redes sociais vêm mudando a relação dos médicos com seus pacientes e com outros médicos. “O paciente não vem mais na surpresa. Ele já vem sabendo o que esperar. Ao mesmo tempo, isso impacta na forma como o médico lida com o paciente. Também muda o relacionamento com outros médicos. É uma constante atualização para todo mundo. Eu não diria que a credibilidade do médico que investe em rede social é diferente, mas é um profissional que dá a cara para bater, que permite se expor e, de certa forma, sai da sua zona de conforto”, avalia.
Cada um no seu quadrado
As redes sociais e mídias digitais ganham cada vez espaço nas nossas vidas. Porém, é preciso entender que cada uma possui características distintas e podem ser utilizadas de forma diferente pelo médico:
- Instagram: ideal para registros do dia a dia e conteúdos curtos e diretos;
- Facebook: recomendado para conteúdos mais extensos e aprofundados;
- YouTube: permite criar uma verdadeira biblioteca de vídeos educativos;
- Twitter: pode-se divulgar informações genéricas sobre os serviços de uma clínica ou consultório;
- LinkedIn: espaço para o médico criar um perfil em que revela sua trajetória profissional;
- Tik Tok: hoje, muito utilizada para descontração (por isso, é preciso tomar alguns cuidados);
- WhatsApp (e outros aplicativos de mensagens): recomendado para uso institucional (do consultório ou clínica), aproximando o serviço do paciente com orientações e lembretes.
Ética
O impacto das redes sociais na relação médico-paciente já levou o Conselho Federal de Medicina (CFM) a publicar, em alguns momentos, orientações do que é permitido ou não ser feito pela classe médica. Segundo o cirurgião plástico Alexandre Kataoka, essas resoluções são essenciais, pois na internet é mais fácil o profissional cometer deslizes.
“As redes sociais impactam totalmente a relação médico-paciente. Vemos que, atualmente, há uma extrapolação dos limites éticos e morais, muitas vezes até mostrando a intimidade do paciente. O médico não pode postar nada na internet que identifique o paciente. O que o médico deve fazer é orientar e educar. Gravar um vídeo mostrando os prós e os contras de um procedimento, por exemplo, é permitido, sempre com o teor educativo. A orientação é o recurso que mais fideliza um paciente”, defende Kataoka.
O surgimento dos influenciadores digitais também vem colocando os médicos, muitas vezes, em situações que podem gerar infrações éticas. A associação do nome de um profissional ou de uma clínica a uma celebridade não é permitida pelo Código de Ética Médica. “Essa associação pode trazer a falsa impressão de que o médico que trata daquela celebridade é melhor que os outros, o que muitas vezes não traduz a realidade. Por isso, essa atitude não é permitida”, ressalta Kataoka.
O cirurgião plástico destaca, ainda, que muitas infrações éticas são cometidas até sem que o médico se dê conta da sua falha. “As infrações mais comuns são a demonstração de resultados, a promessa de resultados com técnicas ditas inovadoras, os elogios reiterados que são respostados ou a exposição de pacientes que se submetem a cirurgias ou que passam por consultas. As consequências podem ser graves: desde sindicâncias e processos éticos pelo CRM, podendo levar até a cassação do registro profissional”, alerta.
Estratégia
O médico que deseja investir em suas redes sociais, além de ter cuidado com as questões éticas, também deve pensar em outro ponto muito importante: o planejamento estratégico. Especialista em Mídias Digitais, Douglas Gomide afirma que muitos médicos estão nas redes sociais, mas grande parte não tem estratégia nenhuma. “E sem estratégia, é uma ação que acaba não virando o que deveria ser. O perfil profissional precisa trazer conteúdo relevante. Ao mesmo tempo em que ensina, trazendo dicas e toques, o médico tem que humanizar a sua marca, com informações que de fato acrescentam à vida das pessoas”, orienta.
O especialista ressalta que o médico, ainda mais no início, não precisa investir em diversas redes sociais. Ele pode começar com apenas uma, de maneira eficaz. “Costumo dizer que o erro de muitas pessoas é querer abraçar o mundo todo de uma vez, o que acaba não dando certo. A minha dica é a seguinte: começa por uma e, depois, vai dominando o espaço, crescendo. Mostre o seu lado profissional, sem esquecer o pessoal. O lado pessoal é que engaja e faz o seu perfil crescer ainda mais”, afirma Gomide.
Para o médico, acostumado com o lado mais tradicional da profissão, o especialista em Mídias Digitais faz o alerta: esse é um caminho sem volta. É preciso se adaptar. “Muitos médicos ainda veem as redes sociais como algo distante da sua realidade. Porém, com o passar do tempo, ainda mais com a pandemia que enfrentamos, está cada vez mais claro que essa é uma estrada sem retorno. Acredito que, com o passar do tempo, cada vez mais pessoas entenderão isso, o que fará esse mercado ser cada vez maior”, analisa.
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