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A Medicina de mãos dadas (ou não) com a tecnologia

Por:

Ana Paula Costa

- 13/02/2023

Com grandes avanços tecnológicos no nosso dia a dia, como o profissional pode encontrar equilíbrio entre tradição e modernidade ao cuidar de seus pacientes?

Os avanços tecnológicos das últimas décadas na Medicina são muitos: softwares de diagnóstico, cirurgias robóticas, Telemedicina e outras ferramentas trazem novas perspectivas e possibilidades para o exercício da profissão. Mas apesar de surgirem como aliadas, essas tecnologias carregam consigo novos desafios para os profissionais da Saúde, que, além de precisarem se adaptar, devem encontrar o equilíbrio entre seus conhecimentos advindos da experiência e dos novos conhecimentos, enquanto se mantêm como símbolos de referência e de confiança na sociedade.

Se no século passado o foco da Medicina estava, em grande parte, em ampliar o conhecimento sobre o funcionamento do corpo humano e no tratamento de doenças, hoje os avanços científicos e tecnológicos caminham para um diferente viés. Atualmente, mais do que promover o tratamento das doenças, a Medicina cada vez mais prioriza o acompanhamento dos pacientes e a prevenção de doenças.

Em uma sociedade que vivenciou a pandemia de Covid-19, é cada vez mais nítido que os avanços científicos são cruciais, mas que estamos longe de não precisar do cuidado médico. Ainda em 1984, os cientistas Ruffié e Sournia escreveram: “Os progressos da Medicina não deixaram o ser humano imune à fragilidade. Sempre será preciso inventar novas armas para novos inimigos”. Por isso, quando se discute a ampliação do conhecimento científico na Medicina e os avanços existentes, o objetivo não é adotar uma posição de que todas as respostas já são conhecidas, mas utilizar o que está disponível hoje para tomar as melhores decisões no cuidado com os pacientes.

Rodrigo Dias, doutor em Psiquiatria pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), compartilha sua experiência no assunto. O médico, que trabalha no desenvolvimento de softwares e abordagens com inteligência artificial para o suporte à decisão clínica e de serious game em transtornos mentais, enxerga nos avanços científicos o futuro do cuidado médico.

Um exemplo de boa implementação de tecnologias na Medicina que o profissional destaca é na análise de interações medicamentosas feitas por robôs. Segundo ele, essa tarefa tão complexa e sensível para os pacientes poderá ser feita de modo cada vez mais preciso e qualificado com o auxílio das máquinas.

As novas tecnologias que se apresentam para o dia a dia dos médicos não param por aí. Dias cita que já implementa diversas ferramentas, como as de comunicação, de atualização profissional, os prontuários eletrônicos e as de gestão administrativa do consultório em seu dia a dia. “Elas impactam todo o sistema de Saúde e mudam a relação de prestação de serviços, de maneira que coloca os pacientes como figura central do cuidado, e não a estrutura da Saúde em si. Por isso, a adoção de práticas modernas não afasta médicos e pacientes, mas serve para reforçar o primeiro e mais importante vínculo que existe na Medicina: o de empatia e de escuta do profissional com seus pacientes”, afirma.

Dias argumenta que a confiança dos pacientes vem, principalmente, em sentirem que suas queixas estão sendo escutadas, o que é anterior e independe do uso de novas ferramentas. “A tecnologia deveria ser vista como um facilitador, um garantidor dessa relação. A filosofia é: usar a inteligência artificial como fomentador da humanização na promoção de saúde. Esse é o ponto principal”, defende.

Computação cognitiva

Em matéria para o Universo DOC, os médicos Rogério de Oliveira Torres Homem e Mariana Perroni vão a fundo e discutem o uso e o impacto de ferramentas como inteligência artificial na Saúde

Percepção dos pacientes

Hoje, a promoção de saúde é feita cada vez mais nessa dinâmica de colaboração entre médico e pacientes. Por isso, as novidades científicas e tecnológicas não impactam apenas os médicos, mas igualmente aos pacientes, e há barreiras geracionais que podem interferir, como a adesão aos aplicativos de mensagens instantâneas ou prontuários eletrônicos. Segundo Rodrigo Dias, apesar disso, a grande maioria dos pacientes se mostra bastante receptiva ao uso de novas ferramentas, principalmente à medida em que o profissional da Saúde demonstre que tem domínio e segurança em seu uso.

Outro aspecto de impacto é na recepção dos pacientes às decisões médicas. Graças ao maior acesso a dados científicos por meio da internet, muitos chegam ao consultório com conhecimentos e questionamentos complexos. Portanto, o médico encontra mais um desafio: o de filtrar as informações trazidas e fornecer respostas adequadas. “Hoje, o paciente tem uma crítica maior e quer participar da tomada de decisão. Há um lado positivo nisso: muitas vezes, a atualização do médico é até puxada pelo paciente. É uma troca muito mais dinâmica e compartilhada”, avalia.

A tecnologia torna os médicos “menos humanos”?

Confira o que pensam os médicos Diogo Rosa e Aline Coelho no podcast especial com o tema Tecnologia, inovação e saúde: o impacto na relação médico-paciente.

Volume de informações

Com essa maior cobrança da sociedade e a necessidade de disponibilizar aos pacientes os tratamentos mais modernos, é imprescindível que os profissionais da Saúde se mantenham atualizados. Paradoxalmente, umas das barreiras atuais a isso é o enorme volume de informações disponíveis. Todos os dias, novos artigos são publicados, novos aplicativos surgem e o conhecimento científico avança em uma velocidade impossível de ser exaurida, o que levanta a pergunta: é possível que os médicos se mantenham de fato atualizados?

Para Rodrigo Dias, essa dificuldade em administrar toda a informação disponível tem sido um verdadeiro peso e um estressor para os profissionais da Saúde, mas propõe uma outra maneira de olhar para a situação. “Do ponto de vista tradicional, o aprendizado na Medicina é o do leito, que dizer, da troca de experiências clínicas, da vivência que extrapola para além do conhecimento científico. Por mais que não seja possível ler todos os artigos e implementar todas as novas tecnologias, a chave para se manter atualizado está na correta curadoria das informações”, acredita.

O especialista pontua que o volume é absurdo, sendo impossível qualquer pessoa se manter atualizada. Porém, ele lembra que, no fundo, os médicos não possuem todo o conhecimento, mas as habilidades desenvolvidas pela experiência, uma série de fontes de informações e, principalmente, a crítica para saber selecionar as informações que estão recebendo. “À medida em que a tecnologia facilita a integração de dados pelos novos meios, por texto, por voz ou por arquivos de imagens, se mantém essa tradição de troca de conhecimento, e principalmente, de experiências”, conclui.

7 dicas para a tecnologia não atrapalhar a relação médico-paciente

Confira no Universo DOC uma lista de dicas para equilibrar o uso das tecnologias no consultório sem atrapalhar o cuidado com os pacientes.

 Confiança

Em pesquisa recente, os médicos foram considerados os profissionais mais confiáveis, com um índice global de 59% de aprovação por cidadãos de 28 países.

Em quem o mundo confia?

  • Médicos – 59%
  • Cientistas – 57%
  • Professores – 52%

Em quem o Brasil confia?

  • Professores – 64%
  • Cientistas – 61%
  • Médicos – 59%

Fonte: Global Trustworthiness Index 2022. Disponível em: www.ipsos.com/sites/default/files/ct/news/documents/2022-07/Global%20trustworthiness%202022%20Report.pdf

Confiança e cuidado

Ao mesmo tempo em que a internet possibilita mais acesso a informações de qualidade, ela também permite a disseminação de informações falsas e anticientíficas, fato que ficou evidente durante a pandemia de Covid-19. Apesar disso, esse período crítico também mostrou a importância dos profissionais da Saúde, que possuem a ciência como base de suas práticas e que se mantêm como figuras de referência e de confiabilidade, tanto no Brasil quanto no mundo.

O pediatra Sidnei Ferreira, Professor Associado da UFRJ e Diretor da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), fala sobre essa dualidade de forma incisiva: “Contra mentiras, temos verdade, informação, dados científicos, transparência, honestidade, dignidade, ética, educação de qualidade. A mentira pregada e repetida, disseminou e criou dúvidas e desconfianças na população. Esta, entretanto, reconheceu nos profissionais de saúde a integridade de propósitos e ações, a dedicação ao atendimento, arriscando suas próprias vidas e de suas famílias para cuidar dos doentes”.

De acordo com Ferreira, “médico que não acredita na ciência, no bem que as vacinas fazem à humanidade, que existem etapas a serem cumpridas para que possa prescrever tal medicamento, que sua autonomia para tratar exige reconhecimento científico, que a profissão é a mais nobre porque é umbilicalmente ligada à ciência, à humanidade e à ética não merece exercer a Medicina”.

Atualmente, estão disponíveis diversas ferramentas e portais em que os médicos podem obter os conhecimentos e as atualizações necessárias. Plataformas como Pubmed e cursos de educação à distância assíncronos, em que os profissionais podem estudar de qualquer lugar do mundo, entre outros, abrem um leque de caminhos para o aprofundamento de conhecimentos.

Em relação a possibilidade de se manterem atualizados mediante à velocidade e o grande volume de produção de informações atuais, Ferreira analisa que os médicos jamais estarão totalmente atualizados, mas deverão perseguir o melhor nível possível de estudo para exercerem, com segurança e ética, suas especialidades ou áreas de atuação em benefício do paciente. “Temos hoje disponíveis diversas ferramentas para obter conhecimentos e atualizações necessárias. Mas é fundamental que o MEC exerça sua responsabilidade de fiscalizar as escolas médicas, exigindo qualidade adequada e vital ao ensino da Medicina”, aponta.

Sidnei Ferreira também é o autor de Mistanásia: os seis anos que antecederam a pandemia e seu primeiro ano – ações e omissões, em que analisa com profundidade a Saúde no Brasil antes e durante a crise sanitária que se iniciou em 2020

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