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Painel da ocupação médica no Brasil

Por:

Juliana Temporal

- 16/04/2023

Atualizado: Roberto Caligari - 03/07/2023

Painel da ocupação médica

O sistema de saúde no Brasil e a profissão médica vêm passando por constantes transformações. O estudo Demografia Médica no Brasil 2023, fruto de um acordo de cooperação técnica entre a Universidade de São Paulo (USP) e a Associação Médica Brasileira (AMB) trouxe um painel do exercício profissional, do mercado de trabalho e da inserção e da participação dos médicos no sistema de saúde no país.

Segundo o levantamento, do total dos 1.183 médicos entrevistados, a maioria afirma ter dupla prática, ou seja, atuam tanto no setor público quanto no privado, com múltiplos vínculos e locais de trabalho. A pesquisa apontou que 74,5% dos entrevistados trabalham parcial ou integralmente no setor privado. Destes, 61,4% exercem a profissão em hospitais particulares, 58,4% em consultórios próprios e 54% em clínicas e ambulatórios privados.

Dupla pratica Gráfico 1

A taxa de médicos com dedicação parcial ou integral ao setor público é de 87%. Desse total, 69,7% informam trabalhar em hospitais públicos, 42,2% em atendimentos de urgência e emergência. Outros 31,6% atuam em serviços ambulatoriais, 29,6% na rede de atenção primária, 19,7% em universidades, instituições de pesquisa e hospitais de ensino e 10% em serviços administrativos ou de gestão públicos.

Rendimento Mensal

O setor privado é o destino mais frequente da maioria dos médicos em formação. De acordo com a pesquisa demográfica, somente 24,6% dos residentes têm intenção de trabalhar apenas no SUS após um ano de formação. Em contrapartida, 55,7% dos residentes pretendem manter dupla prática depois de 12 meses de formados.

Piso Salarial

No Brasil, o piso salarial dos médicos era vinculado ao salário mínimo desde 1961, porém a lei foi abolida na Constituição de 88. A partir de então, a Federação Nacional dos Médicos (Fenam) passou a calcular o valor com base na taxa de variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Com a correção referente a 2022, o montante estipulado para 2023 é de R$ 18.709,99 por uma jornada de 20 horas semanais.

Como ainda não há um piso salarial oficial em vigor na legislação, há vários projetos de lei em discussão no Congresso Nacional, entre eles o PL n° 1.365, de 2022, que tramita no Senado Federal. A proposta, além do estabelecer o salário mínimo de médicos e cirurgiões dentistas, visa aumentar em pelo menos 50% o valor das horas extras e do adicional noturno.

Rendimento Mensal

O rendimento de um médico no Brasil ainda é um dos principais atrativos da profissão, aliado à alta taxa de empregabilidade. A Demografia Médica no Brasil 2023 revela que a renda média gira em torno de R$30,1 mil mensais, conforme dados da Receita Federal por meio da Declaração Anual do Imposto de Renda de Pessoas Físicas (IRPF).

As mulheres médicas possuem renda equivalente a 64% da registrada pelos homens. Entre as unidades federativas do país o rendimento varia bastante, vai de R$37,3 mil no Distrito Federal a R$25 mil na Bahia. Nas capitais do país, os médicos declararam ganhar, em média, R$32 mil de renda mensal, 13,3% mais do que nos interiores dos estados, onde o rendimento por mês declarado é de R$28,3 mil.

Ocupações por especialidades

A Demografia Médica no Brasil aponta que 62,5% dos médicos habilitados no país possuíam um ou mais títulos de especialista em 2022. Do total de profissionais, 43,5% tinham apenas uma especialidade, enquanto 18,9 % detinham dois ou mais títulos de especialista. O índice de médicos generalistas correspondia a 37,5%.

Ocupação por especialidade gráfico 3

Conforme demonstra o levantamento, as especialidades com maior número de médicos são Clínica Médica (11,5%), Pediatria (9,8%), Cirurgia Geral (8,4%), Ginecologia e Obstetrícia (7,5%) e Anestesiologia (5,9). Já as com menor número são Genética Médica (0,1%), Medicina de Emergência (0,2%), Radioterapia (0,2%), Medicina Física e Reabilitação (0,2%) e Medicina Nuclear (0,2%).

Locais de trabalho

No setor privado, o local de trabalho com maior frequência de profissionais entrevistados na Demografia Médica foi o consultório particular, com 58,4% de frequência. Ou seja, quase metade dos médicos mantinha consultório individual ou dividia o espaço com colegas.

Locais de trabalho

Nos hospitais privados trabalhavam 61,4% dos médicos, 54% atuavam nas clínicas e ambulatórios de especialidades privados. Outros locais de trabalho eram as universidades e escolas médicas privadas (10,6%), serviços médicos dentro de empresas (9,5%), laboratórios de diagnose (8,3%) e indústria ou setor farmacêutico (0,8%).

A pejotização do trabalho médico no Brasil

A Medicina é uma das profissões de maior empregabilidade no Brasil, no entanto, esse índice de ocupação não indica uma relação de emprego nos moldes de contratos celetistas ou estatutários, e nem está dentro do que é observado em outras áreas profissionais.

Uma série de fatores acabou orientando um alto grau de informalidade na prestação de serviços médicos e gerando distorções no mercado, como é o caso da tendência de pejotização, termo utilizado quando o prestador de serviço é contratado na condição de pessoa jurídica, em vez de pessoa física. A prática foi regulamentada pela Lei Federal 13.429/2017, que passou a permitir funcionários terceirizados inclusive para atividades-fim das empresas, alterando a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Em entrevista à Revista DOC, Jorge Darze, ex-presidente do Sindicato dos Médicos do Rio de Janeiro e diretor de Relações Institucionais da Federação Nacional dos Médicos (Fenam), considerou o fenômeno da pejotização como “uma praga”.

Clique em ‘Leia Mais’ e confira a análise de Darze sobre o impacto da pejotização para os médicos:

DOC – Como você vê a tendência de pejotização do trabalho médico no Brasil?

Jorge Darze – Lamentavelmente, a pejotização se tornou uma praga. É claro que há uma parcela de médicos, que acredito ser um quantitativo pequeno, que opta pela contratação de trabalho como pessoa jurídica. É direito de cada um buscar o seu tipo de condição de trabalho, mas não é o que temos observado. O que se tem observado é algo impositivo. Por exemplo: hoje, o médico não consegue credenciamento a um plano de saúde se o seu trabalho não se desenvolver no âmbito da pessoa jurídica. Isso é algo que nos preocupa porque, na verdade, nem sempre esse profissional está em condições de desempenhar esse tipo de papel.

DOC – Então, a questão se concentra na saúde suplementar?

JD – Atualmente, o problema se ampliou. Há algum tempo, os hospitais públicos e também os privados incorporaram a pejotização. O concurso público é algo que praticamente desapareceu. Hoje, o Ministério da Saúde, quando contrata médicos para suprir o déficit, porque os profissionais estão se aposentando e morrendo, o Governo Federal contrata de forma temporária. No caso das prefeituras e governos estaduais, a opção tem sido cada vez mais a entrega da gestão das unidades públicas às chamadas Organizações Sociais (OS), o que é uma forma de privatizar a gestão. O que acontece nos hospitais públicos, na minha visão, é inconstitucional. A Constituição estabelece que “a saúde é um direito de todos e dever do Estado”. Quando o Estado delega para terceiros uma competência que é dele, está violando um princípio constitucional. Esse assunto precisa ser levado ao Supremo Tribunal Federal para que seja discutido.

DOC – Quais são os principais problemas com a pejotização?

JD – A pejotização, do jeito que encontramos hoje no Brasil, está longe de representar como uma verdadeira pessoa jurídica atua. Na maioria das vezes, o fenômeno da pejotização é muito mais para atender o interesse de redução de despesas tributárias das empresas que contratam os médicos do que propriamente o interesse desse profissional para exercer sua atividade. Os médicos, dessa forma, assumem riscos decorrentes do que a legislação estabelece para uma verdadeira pessoa jurídica, sujeitos à fiscalização da Receita Federal e a aplicações de multas e de outras consequências. Além disso, a adesão dos médicos de forma obrigatória à PJ tem ônus em vários aspectos, tanto no tributário quanto do ponto de vista da responsabilidade civil, sendo, portanto, muito prejudicial para o profissional.

DOC – Como exatamente a pejotização impacta a responsabilidade civil do médico?

JD – O médico, quando assume a responsabilidade como pessoa jurídica, acaba chamando para si a responsabilidade que caberia à instituição para qual ele está desempenhando a sua atividade. Na maioria das vezes, ele desempenha sua atividade cumprindo jornada de trabalho, carga horária e, geralmente, tem um chefe hierárquico. Ele deveria ter naquela condição não o trabalho como pessoa jurídica, e sim um contrato cumprindo a legislação trabalhista. O que está acontecendo é que temos uma pessoa jurídica atuando dentro de outra pessoa jurídica. Em um processo judicial, como a responsabilidade civil da pessoa jurídica é objetiva, o hospital ou a clínica tem que provar que não cometeu o erro médico. Quando o médico é contratado como funcionário, a responsabilidade é subjetiva. Então, o paciente tem que provar que o médico cometeu o erro, apresentando provas de que o trabalho do profissional causou algum dano. No caso de PJ, o ônus da prova cabe ao médico, porque a responsabilidade passa a ser objetiva.