Presidente-executivo da Interfarma conta, em entrevista especial, como o relacionamento entre as associações médicas e as indústrias farmacêuticas pode ser construído de maneira ética e transparente
Congressos, eventos, campanhas sociais e vários outros projetos e iniciativas das sociedades médicas, em geral, dependem da captação de recursos de apoiadores e patrocinadores para saírem do papel. Um dos segmentos de mercado mais atuantes na promoção dessas ações das entidades médicas é a indústria farmacêutica.
Os numerosos estandes em eventos médicos ao longo dos anos mostram como esse relacionamento entre sociedades e indústrias vem se consolidando. O que muitos dirigentes se perguntam, no entanto, é: como encontrar um equilíbrio nessa relação?
Para falar sobre esse tema, o Portal Universo DOC fez uma entrevista especial com o presidente-executivo da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma), Eduardo Calderari. Também responsável pelas áreas de Acesso e Assuntos Econômicos da entidade, ele tem mais de 25 anos de atuação em grandes empresas farmacêuticas multinacionais. Leia a seguir a entrevista exclusiva:
DOC – Qual é a importância da relação entre indústrias farmacêuticas e associações médicas?
Eduardo Calderari – Em uma perspectiva geral, a indústria farmacêutica e as entidades representativas dos médicos têm o mesmo objetivo: o melhor atendimento ao paciente. A indústria de pesquisa produz inovação na busca de constante melhoria de atendimento às demandas da sociedade, sejam elas básicas ou de alta complexidade. Médicos e outros profissionais de Saúde precisam de constante aperfeiçoamento.
Então, essa é uma relação de ganho recíproco e quem mais ganha é o paciente, pois o que está em foco na relação da indústria com os profissionais é a democratização do conhecimento e do acesso às tecnologias constantemente atualizadas na área médico-farmacêutica. Esse relacionamento tem óbvios desafios éticos, pois não pode estar condicionado a qualquer forma de compensação do profissional por parte da indústria.
DOC – De que maneira deve ser construído esse relacionamento?
Eduardo Calderari – O relacionamento deve ser baseado na transparência, para que todo público-alvo esteja corretamente informado sobre todos os potenciais conflitos éticos surgidos em razão de interesses financeiros ou econômicos que podem existir naquela relação. Também deve considerar a autonomia do profissional médico, que receberá informações precisas e completas sobre os medicamentos por parte da indústria e poderá, então, avaliar criticamente e de forma independente as informações recebidas, o que contribuirá diretamente para que os pacientes tenham acesso a terapias cada vez mais eficientes e seguras.
DOC – Que cuidados devem ser tomados para que essa relação não ultrapasse limites éticos?
Eduardo Calderari – É aí que entram as regras de boas práticas. A Interfarma, por exemplo, possui, desde 2007, um Código de Conduta, com o objetivo de balizar as relações das associadas com seus stakeholders dentro dos mais rigorosos critérios éticos, inspirados nos códigos de prática internacionais e na análise crítica de particularidades do mercado farmacêutico brasileiro.
Poderíamos dizer, então, que a busca do ponto de equilíbrio é o trabalho de constante melhoria desse documento. Ele precisa estar ajustado às mudanças da sociedade, aos avanços das relações comerciais e à evolução dos meios de comunicação. Assim, a barra da ética e da integridade é constantemente elevada, beneficiando todos os envolvidos e, sobremaneira, a assistência à saúde do paciente.
DOC – O senhor acredita que há uma diferença entre o relacionamento das entidades médicas com as indústrias nacionais e com as multinacionais?
O compliance das multinacionais é, por vezes, mais rígido ao se envolver com as ações das entidades médicas?
Eduardo Calderari – Sim, a indústria brasileira de pesquisa ganha um diferencial reputacional ao adotar práticas mais rígidas nas relações das empresas com seus stakeholders, principalmente ao inspirar seus códigos de conduta a partir de rígidos padrões adotados internacionalmente. A relação do compliance das multinacionais com as sociedades médicas não é de conflito.
O que ocorre é que as sociedades médicas têm autonomia para escolher a melhor forma de reunir seus profissionais – e isso é muito importante. Mas esses encontros, muitas vezes, não observam detalhes que limitam um possível apoio da indústria aos eventos, como a escolha de locais eminentemente turísticos, a realização de shows ou diferentes formas de entretenimento e a distribuição de brindes, entre outras práticas, que podem vir a desvirtuar o caráter técnico-científico ao qual a indústria precisa se ater quando apoia esses eventos.