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Novas especialidades médicas: Conquistando seu espaço no mercado

Por:

Juliana Temporal

- 17/10/2023

Entre as especialidades médicas reconhecidas no Brasil, algumas reúnem poucos profissionais, mas nem por isso deixam de conquistar seu espaço. Conversamos com os representantes de seis sociedades dessas especialidades

A Medicina e as especialidades médicas evoluíram muito nos últimos anos. Da mesma forma, as sociedades de especialidade tornaram-se fundamentais para que os médicos pudessem acompanhar essa evolução. Cada vez mais, as sociedades têm um importante papel na atualização científica, na defesa profissional, na conduta ética e na colaboração em políticas de saúde governamentais. Os dados da Demografia Médica no Brasil 2023, publicada pela Associação Médica Brasileira (AMB), mostram a importância das especialidades no país. Em 2022, existiam 321.581 médicos com um ou mais título de especialista, o que correspondia a 62,5% do total de 514.215 profissionais em atividade no país.

As especialidades com maior número de registros de especialistas eram Clínica Médica (56.979), Pediatria (48.654), Cirurgia Geral (41.547), Ginecologia e Obstetrícia (37.327), Anestesiologia (29.358), Ortopedia e Traumatologia (20.972), Medicina do Trabalho (20.804) e Cardiologia (20.324). Juntas, as oito especialidades mais frequentes representavam mais da metade (55,6%) do total de registros de especialistas. Duas delas, Clínica Médica e Cirurgia Geral, são pré-requisito para a titulação em outras especialidades.

No entanto, a publicação também mostrou as dez especialidades menos frequentes, que somam apenas 2,3% do total de especialistas (10.984 médicos). São aquelas com menor registro de médicos:

  • Genética Médica;
  • Medicina de Emergência;
  • Radioterapia;
  • Medicina Física e Reabilitação;
  • Medicina Nuclear, Cirurgia de Mão
  • Cirurgia Torácica
  • Medicina Esportiva
  • Cirurgia de Cabeça e Pescoço
  • Patologia Clínica/Medicina Laboratorial

Essas especialidades, apesar de serem mais novas ou terem um número menor de titulados (até 1.500 especialistas no país), também vêm crescendo de forma expressiva e se firmando dentro do meio médico.

Genética Médica: visibilidade com novas tecnologias

Segundo a presidente da Sociedade Brasileira de Genética Médica e Genômica (SBGM), Têmis Maria Félix, atualmente, existem 342 médicos registrados como geneticistas no Brasil, sendo que a maioria deles está nas regiões Sul e Sudeste.

“Em alguns estados, existe somente um médico geneticista e há alguns sem nenhum especialista. A Genética Médica é uma especialidade nova, surgiu em 1986. Nos últimos anos, a especialidade aumentou o número de especialistas e ampliou o número de vagas para residência médica. A Genética Médica tem se tornado visível com o avanço de novas tecnologias diagnósticas e terapêuticas”, avalia.

A especialista enfatiza ainda que, para se tornar mais forte e ter mais visibilidade, a SBGM tem marcado presença com a realização de congressos nacionais de importância para toda a comunidade. “Temos feito também difusão do conhecimento pelas redes sociais. O desafio é engajar os jovens geneticistas e mostrar a importância de fazer parte da SBGM, contribuindo nas ações e grupos de trabalho”, afirma.

“Nos últimos anos, a Genética Médica aumentou o número de especialistas e ampliou o número de vagas para residência. A especialidade tem se tornado visível com o avanço de novas tecnologias diagnósticas e terapêuticas”

Têmis Maria Félix, presidente da SBGM

Radioterapia: essencial no tratamento do câncer

De acordo com a Demografia Médica no Brasil, existem 1.014 radioterapeutas no país. O diretor da Sociedade Brasileira de Radioterapia (SBRT), Alexandre Jacinto, enfatiza que a Radioterapia é uma especialidade médica de alta complexidade e tem se organizado, ao longo dos anos, para se manter com representatividade no meio médico com a finalidade de assegurar um bom relacionamento com as demais especialidades médicas e qualidade da assistência prestada por seus especialistas à população.

“A SBRT tem trabalhado para garantir a sustentabilidade das unidades de radioterapia no Brasil, seja por meio de estratégias de mapeamento sociodemográfico e econômico da atividade no país (RT2030), de interação com outras especialidades médicas ou pela ação direta da equipe de marketing e mídia digital da sociedade, que atua para disseminar as informações sobre a importância da radioterapia, bem como as carências de acesso aos tratamentos que o país enfrenta”, analisa.

O diretor frisa, ainda, que a radioterapia tem um papel essencial no tratamento do câncer. Estima-se que entre 50% e 70% de todos os pacientes oncológicos necessitarão de radioterapia como parte de seu tratamento. “Infelizmente, uma parcela significativa de pacientes em nosso país não consegue ter acesso à radioterapia. A SBRT estima que, em 13 anos, cerca de 1 milhão de pessoas não tiveram acesso à radioterapia quando precisaram e que mais de 100 mil pessoas podem ter morrido pela falta de acesso a esse tratamento”, revela.

Jacinto destaca também que é necessário investir mais em atualizações tecnológicas. “Há a necessidade de renovação do parque tecnológico disponível, pois ele se encontra obsoleto frente às grandes inovações tecnológicas nas últimas décadas. Ressalto ainda o desafio de garantirmos a sustentabilidade dos serviços de radioterapia no país, em especial no Sistema Único de Saúde (SUS), que carece de suporte econômico para manter suas operações”, conclui.

“Infelizmente, uma parcela significativa de pacientes em nosso país não consegue ter acesso à radioterapia. A SBRT estima que, em 13 anos, cerca de 1 milhão de pessoas não tiveram acesso à radioterapia quando precisaram”

Alexandre Jacinto, diretor da SBRT

Medicina Física e Reabilitação: importância no pós-Covid

Para o presidente da Associação Brasileira de Medicina Física e Reabilitação (ABMFR), Eduardo Rocha, a especialidade vem tendo maior procura devido à percepção da necessidade da reabilitação para melhorar vários aspectos de saúde.

“Vemos também a maior formação de médicos e muitos procuram saber mais sobre a área, ao final de seus cursos. A especialidade também vem trabalhando com o aumento da produção científica e demonstrando em diversas situações sua importância, como na reabilitação pós-Covid. Atualmente, somos em torno de 1.100 especialistas no Brasil, com alta concentração em capitais (68%) e nos estados de São Paulo, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro”, relata.

Segundo Rocha, para dar maior visibilidade à especialidade, a ABMFR está trabalhando ao lado de entes públicos e privados, no intuito de mostrar a importância da reabilitação em seus diversos níveis e, assim, tentar formar mais especialistas, além de levar formação e residência médica para mais estados e regiões.

“Nosso maior desafio ainda é que seja dada a relevância da reabilitação na saúde. Temos também déficits de profissionais em várias regiões brasileiras e a necessidade de ensinar a especialidade em todas as faculdades de Medicina. Esperamos que a Reabilitação se consolide e que existam esforços para maior formação de novos especialistas, assim como aumentar sua valoração”, pondera.

“Nosso maior desafio ainda é que seja dada a relevância da reabilitação na saúde. Temos déficits de profissionais em várias regiões brasileiras e a necessidade de ensinar a especialidade em todas as faculdades de Medicina”
Eduardo Rocha, presidente da ABMFR

Medicina Nuclear: necessidade de investir em alta tecnologia

Dados da Demografia Médica no Brasil mostram que são 1.105 médicos nucleares no país. Adelina Sanches, diretora da Sociedade Brasileira de Medicina Nuclear (SBMN), confirma que a especialidade é pequena, representando apenas 0,2% dos especialistas registrados no Brasil. No entanto, apesar desse baixo número, a especialidade vem crescendo de forma expressiva.

“Dentro da própria Demografia Médica, podemos ver que, em 2002, éramos 660 especialistas. Agora, o número praticamente dobrou. Esse aumento está relacionado a um percentual de jovens muito frequentes na nossa especialidade, devido à crescente disponibilização de novos equipamentos e de novas metodologias, principalmente no combate e no manejo às doenças oncológicas, com a realização do exame PET-CT (tomografia por emissão de pósitron), método diagnóstico que consegue detectar diversos tipos de câncer em fase bem precoce. Essa metodologia chegou ao Brasil em 2002. Então, consideramos uma técnica relativamente recente”, explica.

De acordo com a médica nuclear, outro fator que ajudou no avanço da especialidade foi o uso de moléculas radioativas no tratamento de alguns tipos de câncer. “Temos sido cada vez mais precisos nos tratamentos. Essas radiações vêm maximizando os resultados dos tratamentos, com bem menos efeitos colaterais, e conseguindo prolongar o tempo de vida dos pacientes com muita qualidade”, comenta. A Medicina Nuclear ainda é uma especialidade que tem uma distribuição desigual no Brasil, uma vez que requer equipamentos de alta tecnologia, o que demanda um investimento bastante elevado. “Só para se ter uma ideia, o serviço em que trabalho na Bahia, na Santa Casa de Misericórdia, acaba de adquirir um equipamento de PET-CT, com uma tecnologia muito avançada, que vem inclusive com inteligência artificial, um equipamento top de linha.

Ele custa hoje na ordem de US$3 milhões. Então, estamos falando de um investimento de aproximadamente R$15 milhões. Apenas grandes centros conseguem ter acesso a essa tecnologia, mas tenho a felicidade de dizer que ela é disponibilizada para pacientes do SUS no meu serviço”, frisa Adelina.

A distribuição dos médicos nucleares também está relacionada com a disponibilização dos equipamentos de alta tecnologia necessários para a prática da especialidade.

“O Sudeste, por ter um PIB mais elevado, tem um número de médicos nucleares muito maior do que outras regiões. Outro fato importante para essa discrepância de distribuição tem a ver com os centros produtores dos nossos insumos. O Brasil ainda precisa importar muitos insumos radioativos, e os que são produzidos aqui também estão centralizados nas regiões Sul e Sudeste, fazendo com que a distribuição, devido as nossas dimensões continentais, sejam bem difíceis para o Norte e o Nordeste, dependendo do material que precise ser utilizado”, explica a especialista.

“Em 2002, éramos 660 especialistas. Agora, o número praticamente dobrou. Esse aumento está relacionado a um percentual de jovens muito frequentes na nossa especialidade”

Adelina Sanches, diretora da SBMN

Cirurgia da Mão: nascimento na guerra

A especialidade de Cirurgia da Mão começou na Segunda Guerra Mundial (1939-1945), com o objetivo de tratar de pessoas que passaram por mutilações durante os combates, o que fez com que a necessidade desse especialista fosse notada e percebida. Segundo dados da Demografia Médica no Brasil, há hoje 1.120 registros de cirurgiões da mão, mostrando um aumento de 172,5% em comparação a 2012.

“A Cirurgia da Mão vem crescendo e sendo reconhecida por todas as outras especialidades médicas. A necessidade de um tratamento especializado, diferenciado e customizado tem trazido esse conhecimento por parte de outros médicos para que encaminhe o paciente para o especialista adequado”, pontua Antonio Tufi Neder Filho, presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia da Mão (SBCM).

De acordo com o especialista, a sociedade tem trabalhado para se tornar mais forte por meio de intensa campanha entre seus membros e sua assessoria de comunicação vem atuando na divulgação de todas as atividades e ações. “Nosso trabalho é muito valorizado por parte dos pacientes e de entidades que sempre estão de olho na recuperação e reabilitação de atletas, trabalhadores e de todos aqueles que têm acidentes com as mãos”, salienta.

Para o presidente, o principal desafio da especialidade é conseguir oferecer para toda a população, e não somente àquela que tem acesso à saúde privada, uma Medicina de boa qualidade, com os melhores equipamentos e recursos terapêuticos para reabilitar os pacientes. “A SBCM trabalha arduamente para oferecer ao especialista uma condição adequada de trabalho e remuneração condizente com sua atuação. Enquanto sociedade, nossas expectativas são de um crescimento sólido, seguro e baseado na chegada de novos membros”, acredita.

“Nosso trabalho é muito valorizado por parte dos pacientes e de entidades que sempre estão de olho na recuperação e reabilitação de atletas, trabalhadores e de todos aqueles que têm acidentes com as mãos”

Antonio Tufi Neder Filho, presidente da SBCM

Medicina Esportiva: uma especialidade promissora

A Medicina do Exercício e do Esporte é considerada a primeira especialidade médica reconhecida do Brasil, com sua história remontando à década de 1930, pela necessidade de oferecer avaliação médica a estudantes que fariam aulas de Educação Física escolar.

“Historicamente, outras especialidades médicas faziam o papel de realizar atendimentos em praticantes de algum tipo de exercício ou modalidade esportiva, frequentadores de academias, clubes esportivos e similares. Porém, havia a necessidade de que esse acompanhamento médico atendesse às diferentes demandas e necessidades dessa população, de forma mais completa e abrangente, o que era uma limitação de outras especialidades, cuja assistência, dependendo de qual fosse, era restrita apenas à parte ortopédica ou cardiológica, entre outras”, relata Fernando Torres, presidente da Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e do Esporte (SBMEE).

O especialista acrescenta que a Medicina Esportiva, por fornecer uma formação multidisciplinar, envolvendo várias dessas áreas médicas e com foco voltado ao exercício e ao esporte, passou progressivamente a ser vista e reconhecida como a especialidade cuja atuação seria a mais adequada. “Entretanto, a abertura de vagas em serviços de residência médica na especialidade só veio a acontecer em 2007, sendo que, atualmente, existem oito serviços credenciados pelo MEC, sendo seis no estado de São Paulo. Isso faz com que haja uma grande falta de profissionais especialistas no país”, conta.

Dados da Demografia Médica mostraram que há 1.291 médicos com título de especialista em Medicina Esportiva no país. No entanto, especialmente pela crescente conscientização da própria população dos cuidados com a saúde, sendo o exercício físico uma importante ferramenta para a sua manutenção e/ou melhoria, além de seus efeitos preventivos para diversas doenças, há um progressivo interesse pela identificação e procura do profissional qualificado para esse fim.

“Isso foi possível observar, por exemplo, na pandemia de Covid-19, quando a necessidade de isolamento social levou à restrição de movimentação e da prática de exercícios. A SBMEE foi bastante acionada por pessoas procurando orientação e ajuda, além de a entidade ter emitido informes e notas que serviram de direcionamento e embasamento para diversos setores, privados e governamentais”, relembra.

Em relação às perspectivas para a especialidade, Torres diz que, como muitos costumam afirmar, a saúde e o esporte “estão na moda”, muito devido à maior conscientização de se adotar uma vida mais saudável e, certamente, o médico do exercício e do esporte é um profissional fundamental nesse processo. “Paralelamente, com a formação de mais profissionais especializados, que gradativamente mostrarão seu trabalho e benefícios do exercício e do esporte, a Medicina do Exercício e do Esporte é uma das especialidades mais promissoras e com maior potencial de crescimento no país”, avalia.

“Com a formação de mais profissionais especializados, que gradativamente mostrarão seu trabalho, a Medicina do Exercício e do Esporte é uma das especialidades mais promissoras e com maior potencial de crescimento”

Fernando Torres, presidente da SBMEE