O decreto presidencial nº 11.999, de 17 de abril de 2024, que dispõe sobre a Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM) e sobre o exercício das funções de regulação, supervisão e avaliação de programas de residência médica e das instituições que os ofertem, está sendo amplamente criticado pelas entidades médicas. Para elas, o decreto implementa mudanças que prejudicam o funcionamento da CNRM e coloca em risco a qualidade da formação dos futuros especialistas no país. O Conselho Federal de Medicina (CFM) e a Associação Médica Brasileira (AMB), juntamente com outras entidades médicas nacionais e regionais, estão se articulando no Congresso Nacional para a revogação do decreto.
A primeira manifestação das entidades médicas contra o decreto foi o envio de um ofício ao presidente da república em exercício, Geraldo Alckmin, no dia 18 de abril, mostrando surpresa e indignação de toda a classe médica brasileira com a publicação da deliberação.
No documento, é ressaltado que “a formulação do decreto aconteceu à revelia dos membros da atual CNRM e das lideranças das principais entidades médicas nacionais que lutam, historicamente, pela qualificação da residência médica no país. Isso configura ação unilateral que demonstra ausência de disposição do Governo ao diálogo e à construção de políticas públicas com o envolvimento de todos os segmentos interessados na solução de problemas. O decreto nº 11.999 nasce eivado de distorções que comprometem o papel técnico da CNRM, desta fundamental instância do ensino médico em detrimento de uma visão política de Governo e não de Estado”.
Segundo as entidades médicas, o texto altera substancialmente a composição da CNRM, que passou a contar com o dobro de representantes dos interesses do Palácio do Planalto. A manobra conduzida sem diálogo e de modo unilateral suplanta a capacidade de argumentação técnica das representações dos médicos dentro da CNRM. Com a alteração, os interesses dos Ministérios da Saúde e da Educação passam a prevalecer nas votações dentro do grupo. Incapazes de superar as justificativas técnicas das entidades, eles alteraram o quórum da CNRM a seu favor. É a estratégia usada para barrar os pleitos pela qualidade da formação dos especialistas brasileiros em detrimento de projetos políticos.
As entidades médicas enfatizam que esse é um cenário de alto risco para a residência médica no Brasil. Com a nova configuração, o Governo pode flexibilizar ou desconsiderar critérios defendidos pelas entidades de classe fundamentais para formação dos especialistas. No fim, a segurança e a eficácia dos atendimentos no país estão em risco.
De acordo com as entidades, um dos pontos mais graves é a retirada da obrigatoriedade de que os membros indicados pelos Ministérios para compor a CNRM sejam médicos. Elas temem por decisões que não sejam embasadas pelos nobres propósitos da formação do médico especialista que, necessariamente, precisa adquirir as competências já aprovadas por cada uma das sociedades de especialidade, bem com ganhar a autonomia para realização, por si só, dos procedimentos que caracterizam cada uma das especialidades médicas. Não se pode conferir o título de especialista a médicos que não seguiram, rigidamente, o estabelecido em cada programa oficial de residência médica do Ministério da Educação.
Outro ponto que merece atenção é o fato de que a CNRM sempre teve um secretário executivo que, via de regra, era uma pessoa que detinha excelente conhecimento e boa crítica sobre o que é residência médica. A nova diretriz determina a desqualificação do papel do secretário executivo, que deixa de ser membro votante da Comissão para exercer funções meramente administrativas.
Outra questão preocupante refere-se à manutenção da câmara recursal retirando do seu plenário o poder decisório e ampliando o poder de influência do Governo nas decisões da CNRM. Em resumo, o que for decidido dentro da Comissão Nacional, se não aceita por um dos membros, pode ser remetido à câmara recursal, onde claramente, pela composição de membros dessa instância, sempre prevalecerá a posição defendida pelo Governo e não pela vontade dos médicos.
As entidades ressaltam ainda que é preciso ficar claro que o posicionamento delas não defende os interesses apenas dos médicos. O que está em jogo é a saúde e a vida de milhões de pacientes que, no futuro, podem ser prejudicados pela assistência conduzida por profissionais formados sem atenderem critérios de excelência que tornam a Medicina brasileira referência internacional.
Após o envio do ofício, aconteceram importantes ações em Brasília com representantes das entidades médicas e políticos, que se manifestaram contra o decreto nº 11.999/24.
Audiência com os ministros da Educação e da Saúde
Os conselheiros José Hiran Gallo, presidente do Conselheiro Federal de Medicina (CFM), e Mauro Ribeiro, representante do CFM na CNRM, participaram de reunião com a ministra da Saúde, Nísia Trindade, e o ministro da Educação, Camilo Santana, para debater o tema.
Reunião no Conselho Federal de Medicina (CFM)
Uma reunião foi realizada na sede do Conselho Federal de Medicina (CFM), em Brasília, com presidentes de entidades médicas nacionais para discutir estratégias para contrapor o decreto em vigor. Estiveram presentes José Hiran Gallo, presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM); Cesar Eduardo Fernandes, presidente da Associação Médica Brasileira (AMB); Caio Trivelato, presidente da Associação Nacional de Médicos Residentes (ANMR); Tadeu Calheiros, presidente da Federação Médica Brasileira (FMB); entre outros.
Movimentação na Câmara dos Deputados
O Deputado Dr. Luizinho apresentou Projeto de Decreto Legislativo (PDL 197/2024) com o objetivo de revogar imediatamente o decreto nº 11.999/24. Agora, o projeto está na mesa do presidente da Câmara, Arthur Lira, que tem a competência para colocar o PDL em votação.
Em seguida, o deputado Dr. Frederico apresentou o requerimento nº 1.307/24, solicitando urgência na tramitação do PDL 197/2024. Até o momento, 415 deputados já assinaram em apoio ao requerimento (158 a mais do que as 257 necessárias para aprovação do mérito).
O deputado Dr. Frederico também pediu na Comissão de Saúde da Câmara a aprovação de “Moção em defesa da residência médica no país e de repúdio à edição do decreto nº 11.999/24”.
Movimentação no Senado Federal
O senador Hiran Gonçalves apresentou o PDL 202/2024 com o mesmo objetivo da proposição apresentada na Câmara pelo deputado Dr. Luizinho. O PDL aguarda despacho do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco.
Os representantes das entidades médicas estão se revezando em vigília no Congresso Nacional, pedindo apoio dos parlamentares para a aprovação dos PDLs 197/2024 (Câmara) e 202/2024 (Senado).
Entidades que se manifestaram contrárias ao decreto nº 11.999
- Associação Brasileira de Cirurgia Pediátrica (Cipe)
- Associação Brasileira de Nutrologia (Abran)
- Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP)
- Associação de Medicina Intensiva Brasileira (Amib)
- Associação de Obstetrícia e Ginecologia do Estado de SP (Sogesp)
- Associação Médica Brasileira (AMB)
- Associação Médica Cearense (AMC)
- Associação Médica de Pelotas (AMP)
- Associação Médica do Acre (Amac)
- Associação Médica do Estado do Rio de Janeiro (Somerj)
- Associação Nacional de Medicina do Trabalho (Anamt)
- Associação Paulista de Medicina (APM)
- Colégio Brasileiro de Cirurgiões (CBC)
- Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem (CBR)
- Comissões de Residências Médicas (Cerems)
- Comissões Estaduais de Residência Médica (CNRM)
- Conselho Federal de Medicina (CFM)
- Conselho Regional de Medicina do Estado do Ceará (Cremec)
- Departamento de Imagem Cardiovascular (DIC/SBC)
- Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo)
- Federação Brasileira de Gastroenterologia (FBG)
- Federação Nacional dos Médicos (Fenam)
- Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers)
- Sociedade Brasileira Cirurgia Cardiovascular (SBCCV)
- Sociedade Brasileira de Anestesiologia (SBA)
- Sociedade Brasileira de Angiologia e de Cirurgia Vascular (SBACV)
- Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC)
- Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD)
- Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN)
- Sociedade Brasileira de Neurocirurgia (SBN)
- Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia (Sbot)
- Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/Medicina Laboratorial (SBPCML)
- Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP)
- Sociedade Brasileira de Radioterapia (SBRT)
- Sociedade Brasileira de Urologia (SBU)
Leia aqui a “Carta aberta aos médicos e à população” publicada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM)
Leia aqui a “Carta aberta aos médicos e à população” publicada pela Associação Médica Brasileira (AMB)
Fontes: Conselho Federal de Medicina (CFM) e Associação Médica Brasileira (AMB)