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De um lado a inovação, do outro, a tradição

Por:

Gabriela Leonardi

- 27/05/2024

Mesmo em um cenário com tantos avanços tecnológicos, a Medicina ainda carrega consigo uma tradição secular. Que tal olharmos para o futuro sem esquecer dos legados do passado.

Ao assistir um filme clássico de ficção científica, podemos achar cômica a maneira com que o futuro era retratado. Robôs substituindo humanos, máquinas em larga escala e carros voadores? Bobagem! Mas não tanto… Afinal, hoje a tecnologia está tão enraizada no cotidiano que é fácil esquecer como passamos por grandes evoluções e, mais especificamente, em como a Medicina se moldou ao longo das décadas.

No início do século XX, em um cenário caótico envolvendo guerras, saneamento precário e práticas médicas limitadas para tratar e evitar a proliferação de doenças, a expectativa de vida girava em torno dos 30 anos. Com esforço e dedicação, a Medicina se aprimorou para oferecer mais qualidade de vida. Não à toa, hoje, com tratamentos modernos e eficientes, o brasileiro vive em média 77 anos.

Com tantas inovações na Medicina, pode ser um desafio demonstrar de maneira eficaz os aprendizados para a nova geração médica. O Museu de História da Medicina do Rio Grande do Sul (MUHM) é uma instituição que tem o objetivo de abordar o desenvolvimento da Ciência, Medicina e Saúde Pública ao longo da história, como explica Germano Mostardeiro Bonow, presidente da Associação de Amigos do MUHM. “As novas técnicas de diagnóstico e tratamento não surgiram rapidamente. Elas foram frutos de pesquisa e estudo de muitos profissionais que dedicaram a vida a essa causa”, enfatiza.

Essas pesquisas proporcionaram o desenvolvimento de diversas áreas da Medicina de um século para outro, e, inclusive, novas especialidades foram criadas e ampliadas. Há cerca de 15 anos uma modalidade tem ganhado espaço entre os procedimentos: a Cirurgia Robótica.

Robôs na Medicina?

Antes da Cirurgia Robótica, uma técnica que trouxe muitos avanços para a Medicina foi a cirurgia laparoscópica. No procedimento, pequenas incisões são feitas no paciente para introduzir a câmera e outros instrumentos necessários. Dessa forma, o médico enxerga as imagens captadas em monitores de vídeo (videolaparoscopia) e realiza a operação de forma minimamente invasiva.

Já a Cirurgia Robótica consiste na realização de procedimentos assistidos por robôs. O cirurgião conduz com um console os movimentos feitos pelo robô, sendo ideal para cirurgias nas áreas da Urologia, Ginecologia e Cirurgia Bariátrica. A técnica oferece diversas vantagens. Por isso, tem ganhado cada vez mais aceitação entre os médicos.

Vantagens da Cirurgia Robótica

• Permite que o robô alcance locais de difícil acesso com maior precisão
• Redução de complicações
• Realização de pequenas incisões, tornando o procedimento minimante invasivo
• Menor tempo de internação e recuperação do paciente
• Cicatrizes imperceptíveis no paciente

De acordo com Dyego Benevenuto, que possui residência em Cirurgia Geral e Videolaparoscopia, o seu interesse na área da Cirurgia Robótica foi pela questão da inovação, que impulsiona uma prática médica de qualidade. Uma das plataformas robóticas mais utilizadas para cirurgias atualmente é o robô Da Vinci: “Ele nos permite fazer a mesma cirurgia de forma ainda melhor, pois suas peças são articuladas, a imagem é 3D e temos estabilidade de movimentos”, explica.

Tais avanços tecnológicos garantem, acima de tudo, um alto índice de segurança para os pacientes e Benevenuto enfatiza: “Acho que a modernidade e a segurança têm que obrigatoriamente andar interligadas. Trazer a inovação para os tempos atuais é fundamental ao desenvolver novos métodos de pesquisa, terapia e cirurgia, mas para isso a segurança tem que vir associada”.

Para os próximos anos, a expectativa de Benevenuto é de que a inteligência artificial esteja cada vez mais inserida na área da Cirurgia Robótica. Um dos exemplos é dar ao robô movimentos autônomos para eventualmente reproduzir etapas cirúrgicas do procedimento.

“Não necessariamente o robô fará uma cirurgia inteira, mas acredito que os próximos passos são softwares de inteligência artificial que possam unir as informações de exames de imagem, tomografias e ressonâncias aos dados antropométricos do paciente e a localização das lesões ou tumores. Durante a cirurgia, o robô poderá auxiliar o cirurgião e eventualmente tomar autonomia na confecção de alguns movimentos, como suturas repetidas e identificação de estruturas”, acredita.

Podemos ir além?

A inteligência artificial é a principal pauta ao falar sobre avanços tecnológicos e está se tornando cada vez mais presente no nosso dia a dia. Além disso, ela abrange muitas outras tecnologias que estão sendo aprimoradas e que podem trazer mais avanços para a Medicina nos próximos anos.

O machine learning faz parte de uma subdivisão da inteligência artificial que está em ascensão. Nela, a máquina aprende de forma autônoma, analisando bancos de dados independentemente da sua programação inicial. A partir disso, ela gera modelos que reconhecem padrões nos dados que estão expostos e melhoram o próprio desempenho. Mas de que forma o machine learning pode ser usado na Medicina?

Prever doenças e auxiliar nos diagnósticos: ao processar resultados de exames, como eletrocardiogramas ou eletrocenfalogramas, a ferramenta identifica padrões e interpreta os dados. A partir do cruzamento desses resultados com outras informações do paciente (sinais vitais e histórico de saúde), a máquina é capaz de prever o surgimento de doenças.

Automatização de tarefas administrativas: a integração do machine learning ao sistema do consultório ou clínica pode ser efetiva ao reduzir tempo e custo na organização de documentos, prontuários e outros dados necessários para a administração do estabelecimento.

Ter em mente que a tecnologia pode andar de mãos dadas com o médico é essencial para estar alinhado às necessidades cada vez maiores de oferecer um atendimento inovador, prático e lucrativo. No entanto, também é importante não esquecer dos princípios básicos da Medicina que existem há séculos e ainda são fundamentais para um bom exercício médico.

Conhecer o passado para lidar com o futuro

A Medicina surgiu há milhares de anos e sempre teve como principal objetivo buscar tratamentos eficazes para atender a população. Hoje, ainda utilizamos instrumentos tradicionais que são úteis para atender o paciente, como o estetoscópio, mas é inegável a modernização da prática médica. Em contrapartida, ter conceitos antigos da Medicina como parte do exercício médico é essencial para fazer um bom trabalho.

O Museu de História da Medicina, pertencente à Associação Paulista de Medicina (APM), surgiu com o objetivo de resguardar a memória da história da Medicina. Para o psiquiatra e curador do museu, Guido Palomba, apesar de a Medicina acompanhar as evoluções tecnológicas, ela deve permanecer com seus princípios tradicionais e doutrinários. “Medicina é tradição em marcha. Você conhecer o passado é ter condição de lidar bem com o futuro e melhorá-lo. É criar coisas no futuro que não repitam os erros do passado”, reflete.

O curador também explica que, apesar dos benefícios da tecnologia, em algumas especialidades ela pode ser nociva. “A inteligência artificial na Psiquiatria, por exemplo, é um horror, porque a Psiquiatria é uma área que representa o contrário de científica, ela é psíquica”. Para reforçar sua fala, Palomba cita a frase do psiquiatra Carl Jung (1865-1961): “Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas, ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana”.

Tendo cada vez mais avanços tecnológicos introduzidos nas práticas médicas, Palomba defende que haja uma conscientização maior de ideias humanistas na formação dos médicos. “Se você não conhecer o passado, você não tem paz no presente e terá problemas no futuro. Digo como um aprendizado para lidar com as coisas que aparecem na profissão. É justamente na formação humanista que você conhecerá a Medicina tradicional e a Medicina moderna”, enfatiza.