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Ligas acadêmicas: o que elas podem fazer pela sua carreira?

Por:

Juliana Temporal

- 10/06/2024

Muitos estudantes de Medicina se envolvem hoje com as atividades das ligas acadêmicas e isso pode mudar seu futuro profissional, com diferentes oportunidades ao longo da carreira

Cada vez mais, estudantes de Medicina estão se envolvendo com as ligas acadêmicas. Inclusive, hoje, a participação em ligas acadêmicas é valorizada nos processos seletivos para residência médica, uma vez que mostra a proatividade e o interesse do aluno. Ao mesmo tempo, as sociedades de especialidade também vêm se aproximando das ligas acadêmicas, visando que, no futuro, os atuais estudantes se tornem membros associados, assim como entendam a importância da vida associativa e da defesa do ato médico.

Como surgiram?

As ligas acadêmicas são, essencialmente, grupos de extensão formados por alunos de graduação e professores orientadores que, em conjunto, buscam desenvolver atividades em uma determinada especialidade médica. Essas atividades englobam os três pilares acadêmicos – ensino, pesquisa e extensão – e são regulamentadas pela própria instituição de ensino, evitando a especialização precoce, garantindo a lisura do grupo e incentivando o compromisso com a sociedade.

A primeira liga acadêmica do Brasil data de 1920: a Liga de Combate à Sífilis e outras IST (Infecções Sexualmente Transmissíveis), do Centro Acadêmico Oswaldo Cruz, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). Sob a orientação do professor João de Aguiar Pupo, os alunos desenvolviam atividades de diagnóstico, tratamento e orientação sobre sífilis e IST em postos espalhados pela cidade de São Paulo. Ao longo do século passado, algumas ligas pontuais foram surgindo, mas esse movimento se intensificou pelo país apenas em 1996, com a publicação da lei 9.394, que instaurou as novas Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Posteriormente, o movimento foi catalisado pelas Diretrizes Curriculares Nacionais de 2014, pautadas na Pedagogia crítica para estimular uma educação médica desenvolvida na comunidade e na realidade, abandonando muito dos preceitos do currículo médico antigo, moldado pelo Relatório Flexner, de 1910.

Em outros países, as ligas são conhecidas como interest groups

Nos Estados Unidos, as ligas são grupos pautados principalmente em pesquisa e ensino, enquanto no Canadá o foco é semelhante às do Brasil. A diferença é reflexo da disparidade do currículo médico entre os países

Na América Latina, o Brasil é o único país com ligas acadêmicas de Medicina.

Protagonismo discente

De acordo com Luís Expedito Sabage, presidente da Associação Brasileira de Ligas Acadêmicas de Oftalmologia (Ablao), as ligas acadêmicas, apesar de serem pautadas no tripé universitário, desenvolvem principalmente atividades de extensão. Esse é um momento de extrema importância na educação médica, em que aquilo que foi desenvolvido dentro da universidade é levado para a comunidade, que retorna suas demandas que, na maioria das vezes, só são percebidas quando experimentadas com proximidade.

Além da extensão, as atividades de ensino são frequentes. No mesmo plano, as ligas desenvolvem diversas atividades científicas, como compreensão do seu entorno e também como relatório de erros e acertos do que foi desenvolvido, crucial para ajudar outras ligas a calibrarem seus projetos e produzirem novos, sempre considerando as peculiaridades regionais.

“Essas atividades, sob a orientação de um professor, são desenvolvidas sempre com protagonismo discente, desde o planejamento até a execução e avaliação dos resultados. Os estudantes que participam das ligas devem agir com proatividade e trazer para o grupo ideias de projetos e meios de execução desses, enquanto os mentores atuam como facilitadores dos processos”, frisa Sabage.

As ligas acadêmicas permitem ao estudante aprofundar seus conhecimentos em uma área de interesse, observar a prática com maior proximidade, passo esse importante para especialidades menos prevalentes no currículo, auxiliando a decisão de escolha da residência médica. Para Sabage, atualmente, a participação em ligas acadêmicas é valorizada nos processos seletivos para residência médica, pontuando diretamente no currículo, mas indiretamente nas entrevistas, uma vez que mostra a proatividade e interesse do aluno.

“Nas ligas, os alunos desenvolvem diversos soft skills que não são abordados no currículo médico, como aprimorar o perfil de liderança, desenvolver habilidades de gestão de projetos, aprender a trabalhar em grupo e ainda ampliar o networking, conhecendo profissionais da região e, por meio das associações nacionais, inserir-se no ecossistema da especialidade”, enfatiza.

Sociedades e o futuro da Medicina

Segundo Sabage, as parcerias com as sociedades médicas foram facilitadas pelas associações nacionais de discentes, como a Ablao, uma vez que a entidade permite aglomerar em um único ecossistema todas as ligas do país. “As sociedades, ao estimularem esse tipo de atividade, trazem para perto o futuro da Medicina e incentivam a formação de profissionais que desenvolverão, desde a graduação, conceitos de liderança e gestão”, avalia.

O presidente da Ablao enfatiza ainda que, para as ligas, esse tipo de parceria é crucial para dar voz e espaço no intuito de ampliar o alcance e o impacto dos projetos desenvolvidos localmente. Ademais, o aluno se desenvolve com a noção de senso de pertencimento, compreendendo a importância de se movimentar e agir de forma organizada para o bem comum. “Esse impacto fica palpável quando olhamos para tudo o que foi feito na parceria da Ablao e com as entidades que representam a Oftalmologia no país, como o Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO) e a Sociedade Brasileira de Oftalmologia (SBO)”, observa.

Em 2023, as três entidades lançaram em conjunto o primeiro livro da Ablao, que busca guiar os discentes sobre os passos para o desenvolvimento da iniciação científica. A publicação está disponível gratuitamente no site da associação. “Trabalhamos juntos também em campanhas de conscientização e voluntariado, como a De olho nos olhinhos, em que 1.500 discentes, em mais de 40 cidades, conscientizaram sobre o retinoblastoma e a saúde ocular da criança. Além disso, a Ablao sempre participa ativamente de congressos de Oftalmologia, com sessão idealizada por estudantes, desconto para alunos e estande próprio”, relata Sabage.

Ligas auxiliam na escolha

Ana Clara Barbosa Gonçalves, acadêmica da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio) e diretora da Liga de Angiologia e de Cirurgia Vascular (Laciv) da instituição, diz que os benefícios das ligas acadêmicas para a futura carreira do estudante são diversos. “As ligas podem se aprofundar em um tema que seja de interesse dos participantes. O estudante pode ainda utilizá-las para descobrir mais sobre uma especialidade auxiliando na escolha futura”, observa.

Em sua experiência, anteriormente na presidência da Laciv e atualmente como diretora, Ana Clara considera que o contato com as sociedades médicas se mostrou benéfico tanto para os membros da liga quanto para a comunidade em si.

“O contato da Laciv com a Sociedade Brasileira de Angiologia e de Cirurgia Vascular – Regional Rio de Janeiro (SBACV-RJ) abriu muitas portas. Um exemplo foi a participação de membros da sociedade em palestras e aulas para os alunos. Para um estudante, esses fatores podem mudar completamente as oportunidades para o seu futuro profissional”, pondera.

De acordo o diretor da SBACV-RJ, Bernardo Barros, a entidade entende que o aluno de Medicina, participante de ligas acadêmicas das especialidades, já tem um interesse na área ou quer conhecer mais sobre as doenças vasculares. “A atuação da liga é importante, porque ela já ‘separa’, entre os alunos de Medicina, aqueles que têm maior interesse pela Angiologia e pela Cirurgia Vascular. A SBACV-RJ está atenta a isso, tanto que, nos últimos dois anos, promoveu edições do Encontro de Ligas Acadêmicas, com a participação de 60 alunos e apresentação de trabalhos, durante o nosso congresso regional”, argumenta.

Para o especialista, trazendo o aluno para mais próximo, a sociedade valorizando o conhecimento de fato, aquele validado pelos pares.

“A sociedade tem, sim, um papel na escola médica, no intuito de pedir voz e palavra para ensinar mais e melhor sobre as doenças vasculares. A trombose, o diabetes e as varizes são doenças sérias e muito frequentes na população. Então, nada mais justo que a sociedade ofereça conhecimento e seja o balizador desse conhecimento dentro das faculdades médicas, para que tenhamos expertise e excelência na nossa área”, pondera.