Eles são mais de 500 mil, sendo mais da metade composta por especialistas e mulheres. A maioria vive nos grandes centros urbanos. Estudo do Conselho Federal de Medicina traz estes e muitos outros dados, traçando um panorama atual da profissão
O Brasil nunca contou com tantos médicos na sua história como atualmente. A Demografia Médica CFM 2024, elaborada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), mostra que o país tem 575.930 médicos ativos, uma das maiores quantidades do mundo. O número resulta em uma proporção de 2,81 médicos por mil habitantes, a maior já registrada e que coloca o Brasil à frente dos Estados Unidos, do Japão e da China. O CFM vê com preocupação esse crescimento acelerado pelas suas implicações na formação dos médicos e na assistência oferecida à população.
Desde o início da década de 1990, o número de médicos no Brasil aumento 339%: 1990: 131.278 médicos → 2024: 575.930 médicos Nas últimas três décadas, houve um aumento médio anual de cerca de 5% no número de médicos, enquanto a população brasileira cresceu apenas 1% ao ano |
Para o presidente do Conselho Federal de Medicina, José Hiran Gallo, o aumento exponencial da população de médicos no país é reflexo direto da abertura desenfreada de cursos de graduação de Norte a Sul, principalmente na esfera particular.
“Nesse processo, ficamos diante do dilema de quantidade versus qualidade. De um lado, o Governo entoa um mantra de que o país precisa de mais profissionais da Medicina, o que não é verdade. Hoje, temos um índice, em termos proporcionais (médico por mil habitantes), compatível ou até maior se comparado ao que se percebe em nações como Estados Unidos, Canadá, Japão e Coreia”, considera.
O presidente do CFM afirma, ainda, que, concomitantemente, há a realidade das escolas que funcionam abaixo do mínimo esperado. Em especial, as mais novas carecem de campos de estágio e estão em municípios que não atendem a critérios como número de leitos de internação por aluno ou presença de hospital-escola.
“Outro problema decorrente dessa situação é que o aumento do número de médicos não tem resolvido a falta de cobertura nos vazios assistenciais. Pelo contrário: tem sido mantido o perfil de desigualdade na distribuição dos profissionais, com grande concentração deles no Sul e no Sudeste, na faixa litorânea e nas capitais”, ressalta.
Para o CFM, os gestores precisam adotar outras estratégicas, como investir na qualificação dos profissionais, que bem formados serão mais resolutivos e com menor custo para o sistema, em vez de abrir escolas deficitárias.
“Além disso, deveriam apostar em políticas de alocação de médicos, com oferta de remuneração adequada, condições de trabalho e perspectivas de crescimento. Só assim será resolvida essa desigualdade na distribuição”, enfatiza o presidente.
“O Governo entoa um mantra de que o país precisa de mais profissionais da Medicina, o que não é verdade. Hoje, temos um índice compatível ou até maior se comparado ao que se percebe em nações como Estados Unidos, Canadá, Japão e Coreia” |
José Hiran Gallo, presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM)
Nos últimos dez anos, foram criadas no Brasil mais escolas médicas do que em todo o século XX 1990: 78 escolas médicas 🠖 2024: 389 escolas médicas 35% (136) → instituições públicas 65% (253) → instituições privadas Hoje, são 42.446 vagas autorizadas todo ano em escolas médicas no país Entre os municípios com escolas médicas: 81% não têm o número adequado de leitos hospitalares para fins de ensino 73% estão situados em localidades que não contam com um hospital de ensino |
Aumento da concentração
O Demografia Médica CFM 2024 aponta as disparidades geográficas na oferta de médicos no Brasil. O Sudeste se destaca por ter a maior densidade e proporção de médicos no país, com 3,76 médicos por mil habitantes e 51,1% do total de profissionais. Em contraste, o Norte exibe a menor razão e proporção, contando com uma razão de 1,73 e representando apenas 4,8% do contingente nacional. O contraste entre a disponibilidade de médicos nas capitais e no interior dos estados também é marcante. As capitais, que abrigam 22,9% da população do país, concentram 52,4% de todos os médicos registrados.
Segundo José Hiran Gallo, a concentração dos médicos nas regiões Sul e Sudeste e nos grandes centros acontece em função de vários aspectos. Um dos mais preponderantes é a carência de políticas públicas que estimulem o médico a migrar e se fixar nos vazios assistenciais, em especial dentro dos serviços do Sistema Único de Saúde (SUS).
“Sem uma carreira de Estado que o estimule, o jovem médico não terá interesse em deixar uma cidade como São Paulo e ficar por anos no interior da Amazônia. Outro ponto que não pode ser ignorado é a qualidade de vida. Os médicos, como quaisquer outros profissionais, querem estar em locais em que tenham acesso à educação continuada, à tecnologia e ao lazer de qualidade”, destaca.
O presidente do CFM também enfatiza que vê um interesse crescente dos egressos das faculdades por acessar programas de residência médica em especialidades mais tecnológicas e que tenham uma linha de cuidados que estão inseridas no contexto da alta e média complexidades.
“Em parte, isso reflete um problema da formação, que torna essas áreas mais atraentes para esse público que sonha com estabilidade financeira e perspectivas de uma carreira de longo prazo. Por outro lado, as especialidades básicas perdem espaço, em parte pela própria forma como o Governo negligencia a valorização dos profissionais nessas áreas. Precisamos atuar com firmeza para corrigir essas distorções”, pondera.
Mais especialistas, menos generalistas
A Demografia Médica apresenta ainda uma análise inédita sobre os médicos especialistas no Brasil, com foco na distribuição das 55 especialidades médicas reconhecidas e as 27 unidades federativas. Destaca-se a utilização do Registro de Qualificação de Especialista (RQE) como critério para identificar um médico como especialista.
O movimento de entrada e saída do mercado de trabalho, representado pelo número de novos médicos e pelos pedidos de inativação a cada ano, é um fator-chave no crescimento exponencial do número de médicos no Brasil. Em 2023, 35.398 médicos ingressaram no mercado, enquanto 533 deixaram a profissão, resultando em um aumento líquido de 34.865 no contingente existente. Ano após ano, observa-se consistentemente um número maior de entradas do que de saídas na profissão médica.
Nesse contexto de entrada de novos profissionais no mercado, evidencia-se a evolução da participação feminina na Medicina ao longo dos anos, um fenômeno marcante e revelador das mudanças sociais e culturais que ocorrem no Brasil. Em 1990, as mulheres representavam 44% das pessoas que entravam no mercado, enquanto os homens representavam 56%. Em 2023, essa proporção mudou para 60% de mulheres e 40% de homens.
Mudanças na Demografia Médica
A principal inovação dentro do projeto da Demografia Médica aconteceu em 2023. Segundo José Hiran Gallo, o CFM entendeu que era hora de reduzir os intervalos de atualização dos dados coletados e analisados, que vinham respeitando uma diferença de dois anos entre uma edição e outra. Assim, os técnicos do conselho se debruçaram para a construção de uma ferramenta on-line que permitisse o acesso dos pesquisadores e demais interessados a grandes painéis que compilam os dados e os apresentam com pouca defasagem. Além disso, esses dashboards tornaram a interface dinâmica, permitindo aos usuários cruzarem e refinarem os dados.
“Certamente, ainda vamos avançar mais nesse tópico, tornando a plataforma cada vez mais amigável, com acesso simplificado aos números. De modo complementar, também estamos desenvolvendo estratégias que permitirão uma fragmentação maior das informações. Assim, considerando a Demografia Médica como um instrumento de gestão, estamos ajudando no aperfeiçoamento do SUS, abrindo aos gestores e a outros interessados um acesso a uma radiografia de como está a população de médicos do Brasil”, avalia.
Compilação dos dados começou em 2011 A Demografia Médica teve início em 2011, quando o CFM começou a fazer a compilação de dados dos médicos inscritos nos conselhos de Medicina para entender o seu perfil. Assim, o trabalho passou a fazer a contagem dos profissionais no país, analisando a amostra com base em sua distribuição por tempo de formado, idade, sexo e local de moradia, entre outros fatores. Ao longo do tempo, a iniciativa ganhou cada vez mais envergadura, incorporando outros elementos em seu escopo de análise, sempre buscando retratar da forma mais fiel possível a realidade da distribuição dos médicos pelo país. “Não é por acaso que a Demografia Médica é referência nacional e internacional para os estudiosos desse tema. Por isso mesmo, o CFM tem apostado na montagem de uma equipe técnica e investido recursos para que esse trabalho tenha continuidade de modo consistente”, salienta José Hiran Gallo. |