Hipócrates reconheceu a vulnerabilidade do ser humano. Enquanto afastou a Medicina da revelação divina, percebeu que o médico, por dominar uma relação humana plena de afetos contraditórios, precisa evitar a aplicação de métodos com mais risco de provocar danos do que trazer algum benefício à necessidade clínica. O princípio hipocrático da não maleficência é um dos pilares da Bioética. Em tempos atuais, de incessante busca de benefícios, ele exige a excelência da interface entre ética e comunicação, para reduzir abusos.
A verdade da notícia sobre os fatos deve prevalecer sobre a omissão e a mentira. O termo de consentimento é um instrumento valioso: livre, esclarecido, renovável e revogável, a ser apresentado ao voluntário capaz na pesquisa, documento declarado absolutamente essencial a partir de Nuremberg (1947) e, subsequentemente, ampliado para a assistência.
A promulgação do código de Nuremberg precisou de certo tempo para que países e serviços se estruturassem em seu cumprimento. Ou seja, não foi eficiente para impedir o prosseguimento de uma pesquisa sobre sífilis que se tornou condenável. O Tuskegee Syphilis Study, já com 15 anos de duração, permaneceu imutável por mais 25, apesar do desrespeito aos “voluntários”. Quando, finalmente, foi encerrado por força de denúncia jornalística, o mundo conheceu a face desumana do paternalismo absoluto, que nega voz ativa ao vulnerável inculto e traz violência interpessoal em nome de um narcisismo maligno por parte do pesquisador. Revelou-se o avesso da imagem de bem da humanidade, tradicionalmente dada ao médico e inverteu-se sustentada por um desnível de poder coercivo, travestido como necessidade para o progresso da Medicina.
O homem sempre foi, e continuará sendo, um ser intrinsicamente vulnerável. Ele tem dependência de outros e está sujeito a acidentes e doenças. Acrescente-se a vulnerabilidade situacional ligada a fatores sociais, econômicos, políticos, inclusive com possibilidade de dominação, opressão e violência. A Medicina lida com a vulnerabilidade do humano ambicionando prevenções e tratamentos de suas consequências.
Em um clima contra a indignidade, é bem-vindo o vento que direciona políticas para a boa ambientação do exercício das incertezas da Medicina sob os preceitos do humanismo. Discussões mais recentes sobre o uso do placebo em pesquisa repercutiram o aprendizado com a situação do Tuskegee, hierarquizando a comparação com um fármaco aprovado e já utilizado – a penicilina. Firmou-se o conceito de que estudos sobre um novo medicamento devem avaliar a sua não inferioridade ao existente e a eventual superioridade, não apenas em relação ao benefício, mas, também, quanto à segurança.
Lembremos William Bart Osler (1849-1919), que disse que: “A Medicina é a arte das incertezas e a ciência das probabilidades”. Acrescentemos: arte e ciência esclarecidas em seus detalhes pelos profissionais da Saúde a cada real situação de aplicação.