O funcionamento de um consultório de maneira regularizada depende, entre muitos fatores, de um planejamento tributário. Para que isso seja possível, o médico deve estar ciente de todos os impostos que precisa pagar, seja na esfera municipal, estadual ou federal. Existem cinco espécies tributárias diferentes, reguladas pela Constituição Federal de 1988, que são exigidas das empresas pelas unidades da federação, variando de acordo com suas competências.
São espécies tributárias:
- impostos;
- taxas;
- contribuições de melhoria;
- contribuições especiais;
- empréstimos compulsórios.
Segundo Felipe Lourenço, especialista em gestão em Saúde e CEO da iClinic, empresa especializada em gestão de clínicas e consultórios, os principais impostos pagos pelos consultórios são o Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ), a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS).
“O pagamento desses impostos costuma ser mensal ou trimestral. Em relação à destinação desses tributos, não existe um fim específico, podendo ser destinados para educação, segurança e outro serviços oferecidos pelo Governo”, esclarece.
As taxas são tributos cobrados para custear uma prestação de serviço específica. Caio Carniato, analista financeiro da iClinic, explica que nos consultórios as principais taxas cobradas são a de bombeiros, a da vigilância sanitária (licença de funcionamento e responsabilidade técnica), a de coleta e destinação final de resíduos de saúde e o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU).
“O pagamento dessas taxas costuma ser feito mensalmente ou anualmente, de acordo com o propósito da mesma. Além disso, as taxas possuem alíquotas diferentes e podem variar de acordo com o município”, ressalta.
As contribuições de melhoria são taxas raras, sendo requisitadas quando o Governo realiza uma obra pública e, consequentemente, ocorre uma valorização do entorno onde o consultório está alocado. “É um tributo muito difícil de se ver, pois é difícil calcular o valor exato acrescentado essas melhorias e, por esse motivo, está entrando em desuso”, avalia Carniato.
As contribuições especiais são cobradas quando destinadas a um grupo ou atividade específica. Em um consultório, as mais aplicadas são referentes ao Programa de Integração Social (PIS), ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e aos Conselhos Regionais de Medicina (CRMs). Carniato define que o PIS tem como objetivo financiar o pagamento de seguro-desemprego.
Já o INSS patronal é pago quando o consultório opta pelo lucro real ou lucro presumido, descontando 20% sobre o salário do funcionário. Por último, a contribuição ao CRM é uma taxa anual para a renovação do certificado de registro médico, sendo que seu valor pode variar dependendo do capital social da pessoa jurídica.
Por fim, o empréstimo compulsório é uma espécie tributária criada para atender despesas extraordinárias (provenientes de guerras externas ou calamidades públicas) ou para custear algum tipo de investimento público urgente e de interesse social. Contudo, Carniato explica que não existem empréstimos compulsórios aplicados no Brasil atualmente, já que a última ocorrência de um tributo desse tipo foi no Governo Collor.
Lourenço ressalta que o cálculo dos tributos depende, principalmente, do regime tributário escolhido pela empresa, seja ele o Simples Nacional, o lucro presumido (LP) ou o lucro real (LR). Além disso, em cada um desses regimes existe uma maneira correta de calcular os tributos.
“No Simples Nacional, todos os oito tributos incidentes são unificados em um único cálculo, facilitando o gerenciamento desses impostos e contribuições na contabilidade médica. Já no lucro real e no presumido, os tributos são calculados separadamente e possuem alíquotas diferentes das aplicadas no Simples Nacional”, define.
Impostos federais, estaduais e municipais
No âmbito federal, existem seis principais impostos que devem ser pagos pelo médico que atua em consultório. São eles: IRPJ, CSLL, Cofins, PIS, INSS e fundo de garantia do tempo de serviço (FGTS). Carniato esclarece que o IRPJ e o CSLL são tributos sobre o lucro, separadamente da receita bruta, e que, por isso, são os mais impactantes para o consultório, pois possuem alíquotas mais elevadas.
“Cofins e PIS são contribuições incidentes sobre o faturamento e estão embutidos na base de cálculo dos optantes pelo Simples Nacional. O INSS patronal e o FGTS são impostos trabalhistas e incidem sobre o salário do funcionário, sendo suas alíquotas de 20% e 8%, respectivamente”, complementa.
Os impostos municipais pagos pelo consultório são o ISS e o IPTU. Carniato define que a alíquota do ISS é estabelecida pelo município, normalmente sendo de 2% sobre o valor dos serviços vendidos (consultas, procedimentos etc.). Já o IPTU é cobrado sobre a propriedade e sua base de cálculo leva em consideração o tipo do imóvel, o bairro em que está localizado, as características do terreno e outros fatores que variam de acordo com o município. Em relação aos impostos estaduais, Carniato explica que hoje não existem impostos estaduais vigentes aplicados a consultórios, somente a atividades industriais.
Pessoa física ou pessoa jurídica?
O médico que trabalha em consultório pode optar por atuar como pessoa física (PF) ou jurídica (PJ). Contudo, existem diferenças em relação ao pagamento de imposto de renda em cada caso. “Na atuação como PF, o médico precisa fazer o livro-caixa todos os meses, visando à dedutibilidade de despesas para pagar somente o imposto de renda efetivamente devido. Como PJ, o médico terá que pagar o imposto de renda de acordo com uma alíquota fixa sobre o faturamento para quem opta por LP ou sobre o lucro apurado para quem opta pelo LR”, sustenta Carniato.
Lourenço define que, se o consultório não possui uma quantidade elevada de despesas dedutíveis e as receitas forem muito altas, provavelmente a atuação como PJ será mais adequada. “É necessário sempre simular os resultados para verificar qual é o regime mais vantajoso para a empresa, dando importância para a análise das despesas dedutíveis, para o faturamento médico da clínica e para o pró-labore dos sócios”, avalia o especialista.
Finanças Médicas e o planejamento tributário
Após compreender os impostos que devem ser pagos pela atuação no consultório, o médico deve dar início ao planejamento tributário. Nesse processo, o primeiro passo deve ser a escolha do regime de tributação menos oneroso para a empresa, seja ele o Simples Nacional, LR ou LP. “Realizando a escolha de maneira adequada, o médico pode reduzir consideravelmente a carga tributária do consultório, pois utilizará o modelo mais vantajoso de pagamento de impostos”, define Felipe Lourenço.
Além disso, Caio Carniato avalia que o médico deve tentar diminuir os tributos pagos. Por meio do mapeamento das despesas dedutíveis do consultório, ele pode reduzir os tributos sobre a renda por meio da elisão fiscal. “É sempre bom lembrar que não se trata de um tipo de sonegação de impostos, em que a empresa usa de meios ilícitos para evitar o pagamento de tributos. A elisão nada mais é do que um meio vantajoso para o perfil específico do consultório, para que ele arque com uma carga tributária inferior sem cometer qualquer irregularidade”, reforça.
Lourenço orienta que o planejamento seja feito de forma individualizada para cada perfil de consultório, visto que cada empresa possui suas particularidades. “Um consultório com custos operacionais baixos, folha salarial elevada e margens de lucro altas provavelmente deve escolher a apuração do Simples Nacional, por ser menos onerosa para a empresa”, define. Por outro lado, os consultórios com margens de lucro baixas devem optar pelo LR, pois, dessa forma, pagam menos tributos em relação à renda.
O fundador da iClinic também alerta que o médico pode acabar arcando com mais tributos no caso de apuração errada ou incompleta. “Um exemplo prático é o caso de médicos que optam por trabalhar como PF e não realizam o livro-caixa, tendo que pagar imposto de renda sobre o rendimento bruto em vez de líquido, diminuindo sua margem de lucro”, analisa.
O que é o livro-caixa?
No livro-caixa, devem constar todas as despesas consideradas dedutíveis na apuração de imposto de renda (salário de funcionários, aluguel, condomínio, água, energia elétrica, telefone, material de limpeza, IPTU e ISS). Quando o médico que atua como PF elabora o livro-caixa, é possível deduzir diversas despesas e pagar um valor menor de imposto de renda. Caso não elabore o livro-caixa, o médico terá que pagar o imposto de renda sobre o seu rendimento bruto.
Para evitar esse tipo de situação, Lourenço recomenda que os médicos busquem a opinião de um contador de confiança, pois esse profissional pode apresentar a melhor opção de tributação e de impostos para a clínica ou consultório.
Entenda os regimes tributários
Simples Nacional
Reúne todos os tributos em um único. São eles: Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ), Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), Programa de Integração Social (PIS), Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), Contribuição Patronal Previdenciária (CPP), Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS), Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS). Trata-se de um regime tributário que utiliza a receita bruta do consultório como base de cálculo e, dependendo do faturamento, a alíquota aumenta. Nesse caso, o proprietário não precisa arcar com o INSS patronal – tributo de 20% que incide sobre o salário do funcionário. Por se tratar de um único tributo, é mais fácil para o contribuinte entender seu cálculo.
Lucro presumido (LP)
Possui um percentual de tributação de 13,33% sobre o faturamento de clínicas e consultórios, podendo variar de acordo com o município. Normalmente, seu período de apuração é trimestral e o pagamento é realizado nos dias 30 ou 31 dos meses de março, junho, setembro e dezembro. Nesse regime, há obrigação do pagamento do INSS patronal sobre a folha salarial.
Lucro real (LR)
A tributação é incidente sobre o lucro das clínicas e consultórios e pode ser apurado de forma trimestral ou anual. Havendo prejuízo no período, o contribuinte fica isento do IRPJ e da CSLL. Contudo, é uma opção que dificilmente é aplicada em clínicas e consultórios, pois o LP costuma ser mais vantajoso nesses casos.