Não é novidade que a vida se transforma a todo momento. E o ano de 2020 se tornou um dos maiores símbolos disso, afinal, a pandemia de Covid-19 trouxe mudanças significativas na forma de nos relacionarmos. Surge então o questionamento: o que pode ser considerado, agora, ‘normal’?
De fato, as respostas para essa pergunta são infinitas e, talvez, a maior verdade de todas é que já não exista mais um único ‘normal’ e, sim, vários ‘novos normais’. Sob tal perspectiva, a Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde) organizou um webinar, no último dia 16, para discutir o tema: “Telemedicina no Novo Normal”. Mediada pela diretora executiva da entidade, Vera Valente, o evento online contou com a participação do médico e chefe da disciplina de Telemedicina da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), Chao Lung Wen; da obstetra, pós-graduada em Telemedicina pelo Hospital das Clínicas da USP, e ex-assessora parlamentar, Roberta Grabert; e do médico e professor associado de Medicina da Família na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), e ex-secretário municipal de saúde de Porto Alegre (2017-2018), Erno Harzheim.
Tendo em vista o crescimento da Telemedicina, o foco da videoconferência foi abordar a consolidação dessa metodologia – que veio com a pandemia e se tornou irreversível – e sua aplicabilidade no futuro da Saúde, principalmente no que tange questões legislativas e relacionadas a saúde pública no Brasil.
De acordo com o especialista Chao Lung Wen, um dos maiores problemas enfrentados hoje no país é a procrastinação. Chao, que trabalha com a ideia de medicina conectada e estuda a Telemedicina desde a década de 1990, pontuou que a primeira resolução sobre o tema surgiu em 2002 e, desde então, evoluímos muito pouco do ponto de vista de regulamentação. Com a Covid-19, em apenas 60 dias, o Brasil teve uma mudança histórica: pela primeira vez temos uma lei e uma portaria ministerial sobre o tema, em sintonia com um ofício do Conselho Federal de Medicina (CFM) e com duas normas técnicas da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
O professor da USP acredita que a Telemedicina não cuidará apenas de doenças, mas também fará a gestão de qualidade de saúde. Todavia, alertou que um dos maiores riscos dessa metodologia é a mercantilização. Ele reforça que a remuneração do médico tem a ver com o compromisso assumido por ele com o paciente e não com a forma como essa conexão será realizada. “Há uma confusão entre Telemedicina como ato profissional com uma vídeo-chamada”, reitera. Para o futuro, o especialista só enxerga um caminho: educação. “Precisamos formar melhor os profissionais, tornar a Telemedicina como matéria obrigatória na graduação e na residência, e ensinar a bioética digital e as técnicas telepropedêuticas”, defende.
Complementando a discussão, o médico de família Erno Harzheim contou sua experiência enquanto secretário de Saúde de Porto Alegre. Ele foi responsável pela implementação do programa de Telemedicina no sistema público de saúde da capital gaúcha, que oferece teleconsultoria, telediagnóstico e tele-educação para ampliar a atenção primária, reduzir filas e aumentar o acesso à assistência a saúde. “Nós aliamos dois processos: discutir casos clínicos com médicos de atenção primária com uma regulação clínica. Criamos protocolos de encaminhamentos, em que nós trouxemos o conhecimento clínico de cada doença e determinamos quais critérios exigiriam uma consulta com um especialista daquela área e quais critérios serviriam de prioridade para aquela área. As listas caíram entre 60% e 80% em seu tamanho. Em dois anos, passamos de 90 mil pessoas para 40 mil pessoas na fila”, relembrou.
Por fim, ex-assessora parlamentar, Roberta Grabert, que participou da elaboração do projeto de lei n° 1.998/2020, apresentado pela deputada Adriana Ventura (Novo-SP), para regulamentar a telemedicina na pós-pandemia, agregou ao webinar comentando sobre o sistema legislativo brasileiro e sua experiência na política. Ela defende que o projeto que for aprovado seja simples, de maneira a oferecer segurança jurídica e autonomia para os profissionais. “O brasileiro é viciado em lei. Mas as leis têm de ter um arcabouço legal, para abraçar as políticas públicas, que são infralegais. Existem, mais ou menos, 25 projetos de lei apenas para Telemedicina atualmente. Não precisamos de tudo isso. É importante que o Conselho Federal de Medicina entre em ação”, afirmou.