Quando comparada às demais profissões, a Medicina segue como uma das mais rentáveis. Entretanto, grande parte dos médicos depende da sua força de trabalho para se manter. Apesar dos altos salários, a falta de tempo e de conhecimento sobre finanças faz com que parte dos profissionais esteja endividada ou mesmo não tenha um plano de aposentadoria. Com isso, boa parte da classe médica ainda não aprendeu a construir sua estabilidade financeira ao longo da carreira.
Ao longo dos últimos 30 anos, mudanças ocorreram na área médica. Os lucros dos consultórios diminuíram em decorrência da redução nos ganhos e do aumento nos gastos. A concorrência vem aumentando, tanto pelo aumento do número de escolas médicas quanto pela entrada de profissionais oriundos de outros países. Os sindicatos passaram a fazer mais pressão por direitos trabalhistas. Com o surgimento das operadoras de saúde, o paciente disposto a pagar por um serviço particular praticamente desapareceu e o consumidor tem, agora, os seus direitos regulamentados. Além disso, a popularização da internet tornou os pacientes bem mais informados e exigentes.
“Face aos avanços tecnológicos e o encarecimento da assistência à saúde em todo o mundo, a única coluna da planilha de custos que os burocratas acreditam que pode ser reduzida é a remuneração médica”, explica o neurocirurgião Francinaldo Gomes, especialista com MBA em Finanças e Gestão de Investimentos. Segundo ele, todas essas mudanças têm contribuído para uma contínua redução na remuneração médica, acompanhada por um grau maior de exigência, tanto na capacidade técnica quanto na administrativa e de empreendedorismo. “Dessa forma, a qualificação deixou de ser o único fator determinante do sucesso”, afirma.
Ou seja, nessa avalanche de acontecimentos, os médicos, além de exercerem suas atividades com excelência e dedicação, precisam pensar e agir como empresários para poderem se manter e conquistar o sucesso.
Cenário nacional
Desde 2014, dados econômicos do IBGE mostram que o Brasil se encontra em recessão. Ela é caracterizada como um período em que ocorre um grande declínio na taxa de crescimento econômico do país, resultando na diminuição da produção, do trabalho, dos salários e dos benefícios das empresas.
Segundo o mestre em Economia Alexandre Espírito Santo, autor do livro Artigos de valor – para entender a crise global, a recessão econômica dos últimos anos foi uma das piores da história do país, o que gerou um retrocesso de 8% no PIB brasileiro. “Regredimos tanto que é como se voltássemos para 2010. Comento que a economia de um país é como um organismo vivo. Se há exagero em um dia, a ressaca chega no dia seguinte. Com essa perda de renda, esse ‘organismo’ reagiu, aumentando a inflação e expulsando uma quantidade expressiva de trabalhadores do mercado de trabalho. Com o desemprego em alta, as famílias precisaram cortar seu consumo, o que gera um círculo vicioso que diminui ainda mais o PIB do país”, explica o economista, também professor do IBMEC-RJ.
O volume de investimentos também vem encolhendo desde 2014, o que se reflete no ambiente geral do empreendedorismo brasileiro. Entretanto, há esperanças. “O mais importante é que, em um cenário de incertezas e de crise, costumam surgir oportunidades de ganhos para os profissionais mais aptos. Costumo dizer que é nesses cenários que a riqueza costuma mudar de mãos. Portanto, é preciso acompanhar de perto o desenrolar dos fatos e estar preparado para aproveitar as oportunidades, procurando formas inteligentes de obter ganhos em um cenário economicamente desfavorável”, explica Francinaldo Gomes.
Planejamento em dia
O sucesso profissional já não depende mais apenas de conhecimento técnico. É imprescindível que o médico mantenha uma boa saúde financeira, sua e de seu consultório. Os profissionais da Saúde precisam entender que cabe a eles começar a construir a própria aposentadoria por meio da inovação e do investimento em produtos financeiros que lhes sirvam de fonte de renda quando não puderem mais trabalhar. “Infelizmente, cerca de 40% dos médicos ou não têm nenhum plano de aposentadoria ou contam apenas com o INSS”, salienta Francinaldo Gomes.
O otorrinolaringologista Bruno Rossini faz coro ao pensamento do neurocirurgião, ao considerar que a maioria dos médicos não faz um planejamento financeiro adequado. “Nas conversas com os colegas, percebo uma grande desorganização no que se diz respeito à busca pela independência financeira. Muitos colegas, por exemplo, compram carros caríssimos ao mesmo tempo que não começaram a pensar na aposentadoria”, opina.
É preciso quebrar o círculo vicioso de trabalhar para pagar as contas e enriquecer terceiros. Para isso, o médico deve investir no aprendizado de finanças pessoais, gestão e marketing. Como tais disciplinas ainda não fazem parte da formação nas universidades, o médico deve buscar conhecimento em outras fontes, como livros, cursos e palestras. “Infelizmente, nossa graduação não nos prepara para enfrentar o mercado de saúde atual. Deve-se buscar aprimorar os conhecimentos não só em finanças, mas também em marketing, planejamento estratégico, recursos humanos, inovação e direito médico”, sugere Rossini.
Mudança de pensamento
Para Alexandre Espírito Santo, o problema com finanças vem desde a educação fundamental. “Não encontramos nos ensinos básicos disciplinas relacionadas à Economia. A juventude não aprende que é importante poupar e, por isso, acaba se tornando consumista. Não há um professor que lhes pergunte: como será o futuro? Como se sustentarão na aposentadoria, sem poupança na sua vida produtiva?”, avalia.
A boa notícia é que algumas sociedades de especialidades têm buscado, por meio de cursos, fornecer esse conhecimento aos seus membros. A Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial (Aborl-CCF), a Sociedade Brasileira de Administração em Oftalmologia (Sbao), a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP) e a Sociedade Brasileira de Neurocirurgia (SBN) são algumas instituições.
Trata-se de uma mudança do paradigma de que o médico só precisa ser bom tecnicamente. “Na minha opinião, as faculdades nos preparam para sermos bons empregados. Se, além do conhecimento técnico, entendermos de finanças e gestão, nos tornaremos bons empregadores. A forma mais eficiente de conseguirmos melhorar a saúde é não dependermos financeiramente dela”, sustenta Francinaldo Gomes.
Alexandre Espírito Santo relembra que nenhum ser humano está livre de um revés, como perder o emprego ou ficar doente. Por isso, ele sugere que toda família planeje sua vida financeira. “Uma boa sugestão é formar um fundo de reserva que contemple, minimamente, seis meses de gastos, que possam atender períodos de sufoco. Feita essa reserva, aí comece a planejar seu futuro. Para os mais jovens, considerar alocar uma parte de sua poupança em ações é uma ótima ideia”, acrescenta.
Além disso é importante não se preocupar com a aposentadoria, mas sim se planejar. O economista sugere a criação de uma previdência complementar, que não o deixe dependente do INSS. “Minha sugestão é: faça sua previdência o mais cedo possível. O tempo favorece a quem investe”, orienta.
Construção em longo prazo
O médico precisa buscar educação financeira ao longo de sua carreira para entender que chegará o dia em que terá que parar de trabalhar e que precisará de dinheiro para manter seu padrão de vida. Além disso, precisa estar ciente que sua renda pode eventualmente ser interrompida. Assim, cabe a ele, enquanto jovem e ativo, construir sua aposentadoria e buscar a independência financeira.
Para isso, precisa aprender que deve economizar uma parte do que ganha. Depois, precisa construir uma reserva de segurança para o caso de alguma situação desfavorável vir a ocorrer, como doença, acidente ou mudança de cidade. A reserva de segurança é um recurso capaz de pagar as contas por até 12 meses, caso o médico fique impedido de trabalhar. O patrimônio deverá ser blindado por meio de seguros de vida e de responsabilidade civil. Por fim, o profissional deve montar uma carteira de ativos como renda fixa, ações e fundos imobiliários, a qual deve alimentar regularmente, para que cresça e sirva como uma fonte de renda.
Caso o médico deseje investir em seu consultório, deve aprender que este é como uma empresa, e que precisa ser gerido como tal. Embora muitos médicos deixem a gestão financeira dos seus consultórios nas mãos de terceiros (contador ou administrador), essa não é a forma correta de lidar com um negócio próprio.
A única forma de o médico saber se está financeiramente saudável é quando passa a ter uma renda passiva, isso é, uma renda que não dependa do seu trabalho. “Ao longo de sua carreira, o médico deve buscar depender cada vez menos de renda ativa (que depende diretamente do trabalho) e cada vez mais de renda passiva. Enquanto ele depender somente de renda ativa, não estará financeiramente saudável”, afirma Francinaldo Gomes.
Reciclagem e apoio profissional
Já Alexandre Espírito Santo salienta que atualmente é o momento ideal para repensar sua atuação profissional e, até mesmo, se reciclar. “O que digo é que não há mais espaço para ‘dinossauros’. Ouço, com frequência, um profissional dizendo que tem experiência e isso basta. Claro que a experiência é importante. Mas, na crise, as empresas ignoram a experiência e preferem os jovens promissores, que têm um custo menor. Portanto, minha dica é que você deve se aliar ao ‘novo’, e não bater de frente com ele”, orienta.
O economista acredita que o médico deve contratar profissionais para administrar sua poupança, pois não pode perder seu tempo querendo saber como está o comportamento da bolsa, por exemplo, mas sim atendendo seus pacientes. “Há ótimos gestores de fundos de investimentos, bem como empresas que distribuem esses gestores. Sou de opinião que o médico deve montar uma carteira de investimentos, com percentuais definidos de renda fixa e variável, de acordo com seu perfil de risco. Avalie seu gestor e dê tempo para que ele faça o seu trabalho, enquanto você faz o seu. Se, por ventura, ele não entregar uma boa performance, aí mude. Mas lembre-se que a avaliação não pode ser feita no curtíssimo prazo”, alerta.
É preciso…
- Livrar-se da ideia errada de que o médico só deve entender de Medicina. O conhecimento técnico é importante, mas não é o único determinante do sucesso;
- Nunca desistir diante das dificuldades. Dificuldades sempre existiram e continuarão. Cabe a cada um decidir sucumbir ou seguir em frente;
- Aprender a gerir suas finanças. Um médico que não sabe gerir suas finanças sempre será funcionário de quem sabe;
- Investir em si mesmo, por meio de cursos, palestras, leitura de livros sobre finanças, carreira e sucesso profissional;
- Cortar gastos supérfluos e maneirar o orçamento doméstico;
- Buscar criar riqueza ao longo da vida, tornando-se independente financeiramente.