Universo DOC: Como é possível explicar o crescimento do número de beneficiários?
Vera Valente: A entrada de mais de 1,4 milhão de beneficiários nos planos nos últimos meses demonstra a preocupação dos brasileiros com a saúde. Esse fenômeno aconteceu em todas as regiões do Brasil, mas vale destacar o aumento no Amazonas, estado que infelizmente viveu uma das situações mais críticas desta pandemia e que teve o maior crescimento percentual do país – 7% de alta em relação a junho de 2020. Além disso, 300 mil pessoas fizeram plano de saúde em Minas Gerais e mais de 400 mil em São Paulo.
O crescimento no número de beneficiários provocado pela Covid reforça a preocupação não só dos brasileiros com a saúde, mas também das empresas. Isso porque os planos empresariais tiveram o maior aumento entre os tipos de produtos. A pandemia tornou ainda mais relevante o papel dos planos de saúde nos pacotes para atração e retenção de talentos no setor privado, mesmo em um ambiente de queda do emprego.
O desafio é fazer com que esses beneficiários consigam manter seus planos de saúde em meio à crise econômica, além de permitir que novas famílias acessem a saúde suplementar, contribuindo inclusive para desafogar o SUS.
Universo DOC: Que tipo de plano tem sido demandado pelos novos usuários?
Vera Valente: A pandemia provocou um aumento no número de beneficiários de planos de saúde, especialmente entre os contratos coletivos empresariais. Enquanto o país teve geração de apenas 142 mil empregos formais no ano passado, os contratos de planos empresariais ganharam quase 437 mil beneficiários. O plano de saúde é um desejo dos brasileiros e é um instrumento de atração de retenção de talentos, mas há espaço para oferecer o benefício a muitos mais: o país tem hoje 94 milhões de pessoas ocupadas, entre trabalhadores com carteira, sem carteira, de setor público e privado, empregadores e autônomos, mas apenas 48 milhões de pessoas com plano de saúde.
Universo DOC: Quais são os impactos da pandemia sobre a saúde suplementar?
Vera Valente: O setor foi duramente afetado pela Covid-19, mas demonstrou sua força, garantindo o atendimento de seus beneficiários e salvando vidas mesmo diante da pior crise de saúde do século. Uma prova disso é o aumento de 1,4 milhão de novos beneficiários nos últimos dez meses em todo o país, segundo dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) sobre o comportamento do mercado durante a pandemia. Em junho de 2020, o sistema contabilizava 46,7 milhões de beneficiários. Em abril deste ano, o número chegou a 48,1 milhões.
A área de operação também sofreu impactos. No início da pandemia houve redução de sinistralidade, com recuo de procedimentos eletivos e menor utilização de serviços médicos e hospitalares. Mas os custos voltaram a subir consistentemente a partir de maio. Em novembro passado, as despesas das operadoras foram 13,4% mais altas que em fevereiro, mês anterior à pandemia. Já as receitas cresceram bem menos no mesmo período: 4,6%.
Levantamento da FenaSaúde mostra que os custos das quase 700 operadoras de planos de saúde do país com atendimento a pacientes com Covid somaram R$27 bilhões entre março de 2020 e abril de 2021. Para o conjunto das associadas da FenaSaúde, que reúne as 15 maiores operadoras do Brasil e 40% do mercado, os custos bateram a marca de R$13,5 bilhões. O levantamento contempla apenas as despesas com leitos de internação, leitos de UTI e exames sorológicos e PCR, sem considerar outros custos ou o tratamento para sequelas do coronavírus.
No primeiro trimestre de 2021, o setor registrou o maior custo assistencial da história do sistema. Enquanto o Brasil superava 4.000 mortos por Covid a cada dia, os procedimentos eletivos chegaram a superar o patamar de 2020 e de 2019, ocupando leitos e profissionais de saúde e custos de assistência.
Dados da ANS também apontam para crescimento de utilização do sistema. O Boletim Covid emitido pela agência em abril mostra taxa recorde de ocupação de leitos de UTI e leitos de internação para tratamento de pacientes com a doença em março, mês em que a ocupação foi recorde, com índice de 80%.
Os próximos meses também serão afetados por novos casos de Covid, pela ampliação dos procedimentos eletivos e por um efeito que ainda é difícil de mensurar: as sequelas de quem teve Covid. Infelizmente, milhares de brasileiros que eram saudáveis saíram do hospital com sequelas variadas: cardíacas, pulmonares, renais, hepáticas. Terão de conviver por um longo tempo, talvez pelo resto da vida, com tratamentos crônicos.
Universo DOC: Como a pandemia impactou o projeto “mais saúde para mais brasileiros” que foi apresentado no fórum de 2019?
Vera Valente: A pandemia deu ainda mais força às propostas. O marco legal dos planos de saúde completa agora 23 anos e clama por aperfeiçoamentos que facilitem a oferta de produtos e o acesso dos brasileiros a eles, e, ao mesmo tempo, ajudem a conter os custos. Basta refletir sobre o quanto o mundo, as tecnologias e as necessidades das pessoas mudaram nessas duas décadas para concluir que um aperfeiçoamento regulatório é imperativo.
Uma das prioridades é a flexibilização das regras dos planos individuais, já que o modelo atual inibe as operadoras de atuarem com mais intensidade nesse grupo.
Outro ponto importante é diversificar e ampliar os tipos de coberturas que podem ser oferecidos: é a chamada “modulação de produtos”. Hoje são apenas cinco opções, restringindo a criação de opções adequadas para o perfil de cada família ou empresa. Pesquisas de opinião mostram que os consumidores (empresas e famílias) querem planos com mais opções, que sejam mais aderentes a sua capacidade de pagamento.
Precisamos também substituir o modelo atual de remuneração de prestadores, no qual o pagamento é feito por procedimentos (“fee-for-service”), por outro baseado na geração de valor para o paciente – ou seja, que valorize o desempenho do prestador e a solução do caso do beneficiário. Significa menores custos, melhores resultados e desfechos clínicos. Trata-se de uma transição que vem sendo tentada em todo o mundo, mas que a pandemia pode ajudar a acelerar.
Universo DOC: O que a FenaSaúde enxerga como desafios do setor?
Vera Valente: O setor passa por vários desafios, alguns anteriores à Covid-19, outros já resultado da pandemia. O coronavírus fez com que os brasileiros dessem ainda mais valor para o plano de saúde, tanto que o número de beneficiários segue aumentando. Mas é preciso flexibilizar as regras para que as operadoras possam oferecer maior variedade de produtos que caibam no orçamento e na necessidade dos brasileiros. É fundamental também enfrentar o crescimento cada vez maior dos custos.
Um dos pontos mais relevantes é o avanço das novas tecnologias. Na saúde, o avanço tecnológico em geral não significa redução de custos – pelo contrário. Deve-se incorporar novidades que melhorem a saúde e a qualidade de vida dos beneficiários, mas é importante encontrar soluções para contar a alta dos gastos.
Há novas tecnologias, inclusive, que já se provaram muito positivas. O caso da Telemedicina é emblemático. Aprovado emergencialmente para funcionar na pandemia, o atendimento remoto desafogou hospitais e garantiu atendimento dos usuários que estavam em casa para se proteger do vírus.
Levantamento da FenaSaúde (Federação Nacional de Saúde Suplementar), junto a oito das 15 maiores empresas de assistência médica e odontológica do país, entre fevereiro de 2020 e janeiro deste ano, mostrou que no período foram realizados 2,6 milhões de atendimentos a distância.
Do total de atendimentos on-line verificados pelo levantamento, 60% foram para urgências e 40% para casos eletivos, mostrando como a Telemedicina se tornou uma solução inclusive para casos graves. Mais de 80% dos pacientes tiveram suas necessidades atendidas de forma remota. A satisfação dos clientes ficou entre 75% e 94%, dependendo da operadora. Este é um exemplo exitoso que merece ser regulamentado em definitivo.
No entanto, é preciso deixar clara a diferença entre os diversos tipos de serviços de saúde, além de uma regulamentação correta. Muitos deles não se confundem com os planos de saúde e nem têm a retaguarda necessária para dar o atendimento que a população deseja.
É o caso da assinatura de Telemedicina. Quem o contrata tem acesso à consulta, mas depois continua sem acesso ambulatorial, sem direito à internação ou até mesmo a exames laboratoriais. Esse tipo de serviço não traz uma resposta ao que o paciente precisa. A diversificação é bem-vinda, mas precisa ser regulamentada e os serviços precisam entregar o que prometem, para não haver frustração.