[__]

Tabagismo e etilismo na vida do médico

Por:

Juliana Temporal

- 02/12/2021

Tabagismo e etilismo

Todo mundo sabe que o tabagismo e o etilismo causam dependências que geram sérios problemas de saúde pública. E, espera-se que o médico, que tanto zela pela saúde e bem-estar de seus pacientes, também tenha consciência disso e se mantenha longe do cigarro e do álcool. No entanto, na realidade, nem sempre é isso o que acontece. Por mais contraditório que possa ser, existem médicos tabagistas e que abusam do consumo de bebidas alcoólicas, atitudes que podem impactar diretamente na sua imagem profissional perante o paciente.

A pesquisa “Tabagismo e consumo de bebidas alcoólicas entre professores do curso de medicina de uma universidade do sul do Brasil”, realizada pela Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul), campus Tubarão, concluiu que a frequência de tabagismo entre os professores de Medicina foi baixa, mas o consumo de bebidas alcoólicas foi elevado em relação aos dados nacionais. O objetivo foi determinar a prevalência de uso de cigarros e de bebidas alcoólicas entre os professores de Medicina, os quais são, em sua maioria, profissionais de saúde, que têm um papel fundamental na saúde pública, visto que são responsáveis por orientar a população em geral e também os estudantes sobre os seus cuidados com a saúde. De acordo com os resultados, entre os 155 indivíduos estudados, 61,3% eram do sexo masculino, com idade média de 45,2 e 80,6% médicos. O uso atual e passado do cigarro foi relatado por 2,6% e 21,9%, respectivamente. O uso de bebidas alcoólicas foi relatado por 72,9%, e de forma abusiva em 23,9%. O consumo abusivo é definido como cinco ou mais doses de bebida em uma mesma ocasião para os homens e quatro ou mais doses para mulheres, referente aos 30 dias anteriores à entrevista.

Segundo a coordenadora da pesquisa, Betine P. Moehlecke Iser, doutora em Epidemiologia (UFRGS) e professora da Faculdade de Medicina e do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde da Unisul, o estudo foi realizado utilizando questionário adaptado do sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico (Vigitel).

– O inquérito telefônico Vigitel indicava que a população em geral apresentava alta frequência de hábitos não saudáveis, e quisemos observar como era esse comportamento em uma amostra selecionada, de professores da área médica. Utilizamos o mesmo questionário do Vigitel para comparar a frequência dos indicadores nessa amostra com os resultados da população adulta brasileira no geral. Alguns dados surpreenderam. Avaliamos também alimentação, atividade física e a presença de doenças crônicas na população. Esperávamos um alto consumo de bebidas alcoólicas, o que já aparecia no Vigitel na população de maior nível socioeconômico (escolaridade), mas a prevalência de fumantes ficou abaixo do esperado – explicou.

Inquéritos nacionais anteriores, continuou Betine Iser, já mostravam alto consumo de álcool em população de maior escolaridade e renda, e em homens. Especialmente considerando profissionais da área da saúde, que ainda exercem a docência, o consumo de álcool pode ser uma “válvula de escape” para desestressar após alta carga de trabalho. Também pode ser entendido como um hábito relacionado ao status social.

Além do alto consumo de bebidas alcoólicas, outros dois dados chamaram a atenção na pesquisa: o hábito de dirigir após consumo de qualquer quantidade de bebida alcoólica foi relatado por 42 (27,1%); e a direção após consumo abusivo de álcool foi relatada por cinco entrevistados (3,2%).

– O hábito de dirigir após beber é muito perigoso, mas, infelizmente, comum entre a população, que costuma achar que não bebeu o suficiente para perder a habilidade de dirigir e/ou ter problemas com isso. A lei seca e a fiscalização adequada tendem a reprimir esse comportamento – comentou Betine Iser.

A professora ressaltou que os médicos são pessoas como todas as outras, por isso também sucumbem aos vícios e maus hábitos de vida. Na década de 50, quando fumar era sinônimo de status, a maioria dos médicos fumava. Tanto que os primeiros estudos relacionados ao hábito de fumar com o desenvolvimento de câncer foram feitos com médicos britânicos. No entanto, em termos de comportamentos em saúde, esses profissionais são vistos como modelo, referência para a população. Por isso, deviam dar o exemplo.

– Não faz sentido um profissional orientar algo ao paciente que ele mesmo não segue. Especialmente o hábito de fumar, para o qual há consenso quanto aos riscos de diferentes doenças e prejuízos à saúde como um todo, devendo ser cada vez mais desencorajado entre a população. E, os médicos têm um importante papel nesse processo – avaliou.

O médico fumante e a sociedade

Para Sebastião Costa, pneumologista em João Pessoa (PB), durante os anos 90, a competência dos programas de combate ao fumo, respaldada pela cumplicidade espontânea da mídia, produziu na sociedade uma marcante reversão de mentalidade, transformando o ato de fumar em algo feio e nocivo. O charme foi substituído por tosse e secreção. O mau hálito e os dentes amarelos tomaram o lugar da elegância. Hoje, o tabagista é estigmatizado e tornou-se “persona non grata”.

– Se a população incorporou essa visão do tabagista comum, o médico fumante precisa ter a consciência de refletir, não só sobre sua própria saúde, mas essencialmente sobre o mau exemplo que ele repassa para seus pacientes – considerou.

Todo médico, acrescentou o especialista, que mantém esse hábito extremamente nocivo, tem absoluta consciência de que hoje existem vários recursos para se largar o cigarro. Existe disponível, inclusive no serviço público, a abordagem cognitivo-comportamental utilizada para neutralizar a dependência psicossocial (vinculada às ansiedades, depressões, angústias) e os produtos que vão trabalhar a dependência nicotínica.

– Antigamente, quando só os “heróis”, com a velha e conhecida “força de vontade”, conseguiam se desvencilhar da dependência tabágica, até que se tinha desculpas para seguir dependente da droga nicotina. Mas, agora, com os muitos recursos disponíveis, fica esquisito um médico seguir repassando esse mau exemplo para o paciente e para a sociedade – frisou.

Sebastião Costa enfatizou que uma nova mentalidade surgiu no meio da sociedade em relação ao tabagismo. O hábito de fumar passou a ser uma atitude danosa e antissocial, isso com referência ao fumante comum. Mas, quando se trata de avaliar um médico, que deveria estar comprometido em orientar atitudes saudáveis aos pacientes e ele próprio se torna dependente do hábito mais nocivo em toda história da humanidade, há de se convir que ele perca credibilidade frente ao paciente e à sociedade, além de ter sua imagem muito desgastada entre os colegas.

– É difícil imaginar um médico dependente da nicotina recomendando a seu paciente evitar atitudes prejudiciais à sua saúde – comentou.

Faça parte da nossa Newsletter e receba assuntos exclusivos
para impulsionar sua carreira médica.