Atuando há anos na saúde suplementar, o oftalmologista Diogo Lucena, diretor da Sociedade Brasileira de Oftalmologia (Sbao), passou por instituições de realidades bastante distintas, desde o pequeno consultório individual até grandes hospitais com milhares de colaboradores e atendimento em diversas especialidades médicas. Curiosamente, qualquer que fosse a natureza da instituição, quando os problemas da saúde suplementar estavam em discussão, as reclamações eram sempre as mesmas: mercado fechado e restrição de credenciamento, poder desigual nas negociações com operadoras, baixa remuneração, muita burocracia e glosas. Diante dessa realidade, muitas vezes, ele se perguntou, como médico, por que tantos colegas querem entrar neste mercado.
“A ilusão de uma Medicina sem intermediários é tentadora, mas a complexidade do mundo real acaba se impondo aos ideais mais românticos. Enquanto pensamos como médico, é fácil se deixar levar pela ideia de uma Medicina resolvida diretamente entre os dois principais interessados: o médico e o paciente. Basta trocar de lugar e percebemos que, na posição de paciente, e considerando o contexto da Medicina moderna, além das dificuldades crônicas do sistema público de saúde, é impensável não contratar um plano de saúde por opção. De fato, várias pesquisas de mercado sobre os desejos de consumo da população brasileira revelam que ter um plano de saúde está na segunda colocação, ficando atrás apenas da casa própria”, relata.
Para o especialista, em geral, a motivação principal para a contratação de um plano de saúde é garantir o acesso a tudo que a Medicina pode oferecer e, ao mesmo tempo, ter uma previsibilidade de gastos com saúde que se encaixe dentro do orçamento familiar ou, no caso de empresas que contratam planos de saúde para seus funcionários, que caibam no seu custo de produção. Hoje, as mensalidades dos planos de saúde representam uma fatia relevante dos gastos mensais de pessoas e empresas.
“Com isso em mente, é fácil antever que boa parte dos usuários de planos de saúde buscará atendimento médico dentro da rede credenciada do seu plano, preferencialmente. Consolidou-se no meio médico a crença de que quem não faz parte da rede credenciada está automaticamente excluído da escolha de boa parte dos pacientes. Com esse pensamento, médicos, outros profissionais e empresas da área da Saúde aceitam estabelecer e manter um relacionamento com as operadoras, muitas vezes a contragosto”, afirma.
O que poucos médicos sabem, acrescenta Lucena, é que o credenciamento não é o único caminho para atender pacientes que possuem plano de saúde. Em muitos casos, existe a previsão contratual do direito a reembolso ao paciente por atendimentos realizados fora da rede credenciada. “O que nos leva à pergunta: por que os médicos não incentivam o atendimento por reembolso? Pela minha observação ao longo desses anos, destaco três motivos: confusão conceitual, barreira administrativa e ‘a zona de conforto’, que é aconchegante”, avalia. Vamos nos aprofundar nesses três pontos que Lucena destacou.
Confusão conceitual
Segundo o oftalmologista Diogo Lucena, nas conversas sobre o tema, é possível perceber que há certa confusão entre reembolso e judicialização na área da Saúde. São situações completamente distintas.
“Reembolso é um instrumento legítimo e previsto no próprio contrato de muitos planos de saúde. Ele compreende a possibilidade de um usuário de plano de saúde escolher ser atendido por um médico que não é credenciado àquela operadora e, nesse caso, ser ressarcido dos valores gastos, dentro de um limite estipulado. É preciso reconhecer o caráter democrático e saudável dessa ferramenta no ambiente da saúde, ao permitir que o usuário escolha seu médico por afinidade e não por imposição. A solicitação de reembolso é feita diretamente pelo usuário à operadora e nada tem a ver com ação judicial”, explica.
Barreira administrativa
Para Lucena, muitos médicos e até mesmo clínicas com equipe administrativa têm conhecimento limitado sobre os processos de reembolso. É importante entender que o direito a reembolso não significa que qualquer atendimento será reembolsado e muito menos que o valor integral será recebido de volta. Existem protocolos para apresentação das despesas à operadora e, se o ritual não for seguido à risca, haverá glosa. São necessários relatórios médicos de exames e procedimentos, além de recibos ou notas fiscais com a discriminação detalhada dos serviços, usando terminologias e códigos próprios da saúde suplementar.
“Para o paciente, o atendimento dentro da rede credenciada pode parecer mais prático e seguro, pois transfere a negociação pelo pagamento dos serviços para médicos e operadoras. Portanto, se não houver uma iniciativa dos médicos e clínicas no sentido de facilitar e orientar o processo de reembolso para os pacientes, a opção fica naturalmente mais distante”, analisa.
“Zona de conforto” aconchegante
De acordo com Lucena, a inclinação para replicar modelos existentes é consequência da sensação de segurança que isso provoca. Ao contrário, desbravar novos territórios desconhecidos significa a possibilidade de encontrar obstáculos inéditos que precisarão ser enfrentados com criatividade, sem soluções prontas.
“Ainda que reconheça o espaço para atendimento por reembolso e disponha de capacidade administrativa para lidar com a demanda, a inércia para sair da zona de conforto tem impedido uma difusão maior dessa prática entre os prestadores de serviço”, frisa.
Período de grandes mudanças
Por fim, Lucena destaca que o mercado de saúde suplementar no Brasil passa por um período de grandes mudanças. Catalisadas pela entrada de capital de fundos de investimento nacionais e estrangeiros, fusões e aquisições estão acontecendo em ritmo acelerado, envolvendo operadoras de saúde e também grandes grupos hospitalares, fortalecendo a onda de verticalização do setor. Em paralelo, a entrada de capital especulativo impulsionou também a adoção de modelos de remuneração bastante questionáveis, como o capitation, quando uma operadora negocia a concentração de quase todos os atendimentos de determinada especialidade em um único prestador, restringindo ainda mais as opções para os usuários.
“Nesse cenário de verticalização e concentração do credenciamento nas mãos de grandes grupos econômicos, a alternativa do atendimento por reembolso representa uma forma de preservar um pilar fundamental da Medicina: o direito de o paciente escolher livremente a quem confiar seu tratamento”, enfatiza.
Alguns beneficiários têm planos que contemplam em contrato a opção por ser atendido fora da rede credenciada ou referenciada – dentro, claro, do que é coberto, de acordo com o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), e do contrato assinado entre as partes. As excepcionalidades, como estar em região onde não há prestadores, são menores e o médico tem pouca gerência sobre isso.
O que oferece um mercado de trabalho interessante para aquele médico que não é credenciado é o beneficiário que prefere ser atendido por um médico específico, fora da rede do seu plano. No entanto, é importante ressaltar que uma mesma operadora pode oferecer planos que oferecem a chamada livre escolha e outros que não. Então, não se deve confundir plano e operadora.
Todos os seguros de saúde oferecem, por conta da lei de seguros, reembolso (o que não significa que o valor ressarcido será integral). Já as cooperativas médicas e as empresas de Medicina de grupo, necessariamente, só oferecem a livre escolha em planos top.
O direito ao reembolso
A legislação assegura o direito de restituição com despesas médicas e hospitalares, nos casos de emergência e falta de rede credenciada e quando esse direito é previsto em contrato (atendimentos eletivos). Os planos de saúde oferecidos pelas operadoras que se enquadram na categoria e as seguradoras de saúde têm a opção de reembolso como garantia contratual. As demais operadoras costumam oferecer essa opção em seus planos mais caros (os chamados planos top), pois esse benefício é desejado por uma parcela de seus beneficiários que veem na livre escolha de profissionais e serviços um atrativo importante.
No entanto, o valor do reembolso não é necessariamente igual ao que é pago pelo beneficiário em seu atendimento. A restituição obedece ao que é estabelecido entre as partes em contrato, e pode ser previamente consultado junto à operadora do plano de saúde, por meio de suas centrais ou do aplicativo do plano. Esse procedimento é chamado de prévia de reembolso. O pagamento deve ser efetuado pela operadora em até 30 dias após a apresentação da documentação solicitada (recibo ou nota fiscal) e preenchimento da solicitação.
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