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O olhar médico para a própria saúde

Por:

Beatriz Soares

- 08/11/2022

Você se lembra da última vez que se cuidou?

Atualmente, muito se fala do termo “autocuidado”, que é definido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como a capacidade de indivíduos, famílias e comunidades de promover e manter a saúde, prevenir doenças e lidar com doenças e deficiências com ou sem o apoio de um profissional da Saúde. Entretanto, apesar do foco atual, o autocuidado ainda não recebe a atenção necessária, até mesmo pelos médicos em relação a sua própria saúde.

Na classe médica, diversos fatores contribuem para o distanciamento do profissional de seu autocuidado. Para falarmos sobre o assunto, conversamos com três especialistas: a psicóloga Nara Matos, especialista em Saúde Mental Emocional; o psiquiatra Daniel Martinez, especialista em Medicina do Estilo de Vida; e o cirurgião vascular Mateus Borges, diretor de Publicações da Sociedade Brasileira de Angiologia e de Cirurgia Vascular (SBACV).

Além do que o próprio nome já diz, o autocuidado inclui diversas etapas simples para que de fato um indivíduo consiga o equilíbrio do corpo e da mente. “O autocuidado é uma demonstração de maturidade emocional, social e física. É a demarcação do início do funcionamento psíquico adulto do indivíduo”, conceitua Nara Matos.

Fatores para a negligência

Embora tenha sua importância, hoje o autocuidado ainda não é abordado e tratado com naturalidade. Por isso, não recebe a atenção necessária. Pensando nos profissionais da Saúde, alguns fatores contribuem para a negligência na busca pelo autocuidado. O primeiro deles está relacionado com a formação médica – falta promover o autocuidado quando o profissional ainda está se graduando.

Até mesmo antes de adentrar o campus acadêmico, é imprescindível que o cuidado com o bem-estar físico e mental do médico seja uma preocupação. Para Mateus Borges, de forma geral, a graduação não aborda de forma sistemática e formal o tema. “Até na residência médica, em que a carga horária vem junto com uma alta responsabilidade e muita demanda física e mental, o profissional não é acompanhado pelo estímulo ao autocuidado”, lamenta.

Após a formação, vêm as longas jornadas de trabalho. Com isso, o médico acaba se colocando em segundo plano e dedicando um tempo a si somente quando tem um horário vago na agenda. Como solução, Daniel Martinez sugere que o médico sempre busque reservar na sua agenda um tempo para si no meio das responsabilidades profissionais. “Ao cuidar de si mesmo somente nos tempos vagos, o médico é um grande contribuinte para negligenciar seu autocuidado. O médico é tão importante para si mesmo quanto os seus pacientes”, alerta o psiquiatra.

Outro fator para a negligência com o autocuidado é o próprio conhecimento sobre as doenças, que gera a falsa sensação de saber os reais efeitos delas. “Um dos fatores para o médico não se cuidar é também a ideia equivocada de que, conhecendo bem as patologias, desenvolvimentos e sintomas e como as doenças acometem o ser humano, já é suficiente para se ter maior vigilância sobre elas”, ressalta Nara.

Além disso, o profissional da Saúde está o tempo todo lidando com a vida de seus pacientes e essa responsabilidade também contribui para que ele esteja sempre à disposição dos pacientes, com cargas horárias que não permitem separar um tempo para si próprio. Por fim, há ainda a falta de hábito de o médico pedir ajuda. “O próprio lugar psicológico, social e emocional que ocupa esse profissional na sociedade faz dele um ser incapaz de pedir ajuda, como se isso fosse algo inapropriado”, lamenta a psicóloga.

Por que o médico negligencia o autocuidado?

  • Falta de formação para o autocuidado;
  • Longas jornadas de trabalho;
  • Conhecimento sobre doenças, gerando uma falsa sensação de saber seus reais efeitos;
  • Estar à disposição do paciente o tempo todo;
  • Sensação de não se sentir capaz de pedir ajuda.

Consequências

Uma das consequências da falta de prioridade no autocuidado é o burnout – síndrome que reúne o esgotamento físico, o estresse e a exaustão. Daniel Martinez explica que, para diagnosticar se o indivíduo está passando por ele, é necessário seguir a tríade da doença: (1) sensação de esgotamento físico e mental; (2) despersonalização, que é tratar as pessoas com cinismo e com frieza, enxergando as coisas de forma distorcida; (3) e baixa realização profissional, com sensação de fraude, sentimento de incompetência e autoavaliação negativa.

A partir de 2020, o mundo atravessou um período de extrema incerteza, devido à crise sanitária causada pela pandemia de Covid-19. Os profissionais, mesmo estando às cegas em relação ao que estavam enfrentando, estiveram na linha de frente do atendimento. Todos os dias, eles recebiam centenas de pacientes com sintomas complexos. A carga horária dobrada, a luta contra o tempo, a falta de leitos, o grande número de mortes de pacientes o luto das famílias foram outros fatores que contribuíram para o desencadeamento do burnout na classe médica.

Leia mais sobre burnout no portal da Universo DOC clicando aqui e aqui ou acessando os links abaixo:

Link 1: O perigo da síndrome de burnout ao longo da carreira médica

Link 2: Burnout durante a pandemia, quais são as causas

Quando pedir ajuda?

Mesmo com os desafios da profissão, é necessário que o médico se coloque na posição também de paciente. O autocuidado pode ser visto até mesmo como um sinal de maturidade. Mateus Borges lista que os pilares para se manter uma boa vida é a saúde, a família e o trabalho. “A SBACV é uma das sociedades que têm tratado sobre o tema com relevância e feito campanhas direcionadas não apenas à população, mas também aos seus associados, estimulando o autocuidado”, revela.

Segundo Daniel Martinez, para saber qual o momento de buscar orientações de colegas, é importante o médico se questionar quando foi a última vez que procurou ajuda ou quando foi a última vez que fez exames de rotina. O exercício de se autoconhecer é um grande auxílio para perceber quando há algo de errado, tanto físico quanto mentalmente. “É importante, na autoavaliação, se questionar se o brilho no olhar diminuiu, se ele se sente cansado toda hora, se as pequenas coisas o irritam, se chora fácil, se parou de fazer as coisas que antes davam prazer”, exemplifica.

Deve-se encarar o autocuidado como uma ferramenta que auxilia no bom desempenho do profissional. “O autocuidado na vida de qualquer profissional deve ser encarado como prioridade. É a partir do equilíbrio da minha saúde e do meu bem-estar que terei condições psíquicas, físicas, sociais e emocionais para cuidar do outro”, defende Nara Matos.

Dados alarmantes

Uma pesquisa recente nos Estados Unidos, realizada pelo MedScape com 13 mil médicos, mostra como a situação pode ser preocupante: 24% dos entrevistados revelam que convivem com depressão severa e 64% dizem ter sintomas comuns de depressão, como tristeza e sentimentos negativos. Um em cada dez médicos contam que já tiveram pensamentos suicidas. Patologistas, cirurgiões gerais e oncologistas foram classificados como os especialistas com maior incidência desse tipo de pensamento.

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