Segurança profissional e participação em grandes missões são os principais atrativos para as profissionais que ingressam na carreira militar
Com uma grande determinação e vontade de servir ao país, um crescente número de médicas tem escolhido trilhar um caminho até pouco tempo considerado incomum: ingressar nas Forças Armadas. Ao entrar em um ramo tradicionalmente masculino, as médicas têm demonstrado competência e comprometimento, provando que excelência e dedicação não têm gênero.
A otorrinolaringologista Sônia Petersen, capitã de mar e guerra da Marinha, conta que sua inspiração para ingressar nas Forças Armadas veio da vivência que teve com militares quando cursou o internato no Hospital Central da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro (HCPM-RJ), durante a graduação.
“Quando dava entrada um policial baleado, todos se mobilizavam para salvar aquela vida. Se dava certo, todos ficavam felizes. Era contagiante. Infelizmente, nem tudo são flores e todos sofriam quando o resultado não era o esperado. Eu me alegrava e sofria com eles. Foram experiências marcantes que me fizeram pensar em seguir a carreira militar”, conta a capitã.
A médica explica que sua trajetória dentro da Marinha se iniciou com muitas surpresas. “Durante a minha residência médica no HCPM-RJ, resolvi fazer a prova da Marinha para ter a experiência do concurso e, para a minha surpresa, fui aprovada. À época, pedi opinião para a minha professora e ela me orientou a seguir esse caminho, o que fiz prontamente”, revela. Hoje diretora do Centro de Medicina Operativa da Marinha (CMOpM), a otorrinolaringologista passou por algumas instituições e organizações militares que foram necessárias para o aperfeiçoamento da sua especialidade dentro das Forças Armadas. Segundo ela, as manobras operativas sempre foram um desafio, mas que nunca deixou de participar. “Os desafios servem para nos impulsionar”, acredita
Nova fronteira profissional
A decisão de médicas migrarem para as Forças Armadas não é meramente uma simples mudança de consultório, mas, sim, uma escolha que reflete o desejo de assumir responsabilidades adicionais e enfrentar desafios distintos dos encontrados em hospitais e clínicas. Essa migração também reflete uma aceitação maior e a inclusão das mulheres em papéis antes restritos aos homens.
A capitã de corveta da Marinha Maria Sanches considerou ingressar nas Forças Armadas após dez anos de formação na área médica. Ao se deparar com o curso de formação, viu um mundo completamente diferente.
“Quando prestei o concurso, ouvi muitos comentários equivocados sobre a carreira militar, que, de fato, não se comprovaram. Por já ter acumulado experiências profissionais no meio civil antes de ingressar na Marinha, pude comparar e perceber que os comentários estavam repletos de julgamentos superficiais motivados por desconhecimento”, avalia.
O ingresso de mulheres nas Forças Armadas voltou a crescer nos últimos anos. Segundo dados divulgados pelo Centro de Comunicação Social da Marinha, nos últimos dois anos, o número de inscrições de mulheres nos concursos públicos para a área de Saúde aumentou 2% em comparação com 2022. Já no Exército Brasileiro, a diferença foi de 500 candidatas a mais que se inscreveram no Concurso de Admissão para a Escola de Saúde e Formação Complementar em 2022, em relação ao ano anterior.
Inscritas nos concursos públicos de Saúde da Marinha do Brasil
Ano | Inscrições |
2023 | 3.044 |
2022 | 2.981 |
2021 | 4.119 |
Inscritas no concurso público de Saúde do Exército Brasileiro
Ano | Inscrições |
2022 | 1.961 |
2021 | 1.442 |
O número de mulheres inscritas nos concursos pode vir a crescer ainda mais nos próximos anos. Segundo uma projeção feita pela Demografia Médica de 2023, da Associação Médica Brasileira (AMB), até 2024 as mulheres serão maioria entre os médicos no Brasil. Até 2035, o número de médicas pode crescer 12% além do contingente de médicos brasileiros.
Mudança de rotina
A rotina das egressas nas Forças Armadas envolve horários regrados e missões, que levam as aspirantes a passarem por uma adaptação intensa. A otorrinolaringologista Anna Silvestri, primeiro-tenente do Exército Brasileiro, explica que sua adaptação foi difícil no início do curso, pois além do conhecimento que já tinha na Medicina, teve que se atentar, principalmente, ao respeito à hierarquia, muito cobrado em quartéis.
“A adaptação foi difícil no começo. Até entender como funcionam toda a hierarquia e todas as siglas militares, foi um processo. Com o tempo, a gente se acostuma e se adapta à nova realidade”, diz a tenente.
A capitã Maria Sanches vê que a própria instituição se empenha para que aconteça a inserção e a participação das mulheres em todas as vertentes, não tendo diferenciação entre os gêneros. Para ela, as movimentações que vêm acontecendo nas Forças Armadas têm mostrado que cada vez mais espaços foram conquistados, abrindo oportunidades para outras que virão.
Essas novas oportunidades que a capitã se refere são os concursos, antes exclusivos para o sexo masculino e que hoje abrem vagas para ambos os sexos. Até o último ano, o concurso público para o Corpo de Fuzileiros Navais (CFN) era o último certame que oferecia vagas apenas para homens nas Forças Armadas.
Em 2023, o concurso ofertou 76 vagas para ingresso do sexo feminino nas duas turmas de formação de fuzileiros navais. “Recentemente, ainda, tivemos a promoção da terceira almirante da história da Marinha, sendo a segunda médica a ocupar tal cargo, mostrando que há oportunidades para todos, sem distinção”, completa a militar.
Além do militarismo
A presença de médicas dentro do círculo militar não só diversifica o ambiente profissional, mas também traz benefícios significativos para a saúde e o bem-estar dos pacientes civis. As habilidades e os conhecimentos das profissionais de Saúde são cruciais em missões que vão desde o atendimento em partes mais precárias do país até o atendimento aos próprios militares nos quartéis.
Essas experiências fazem com que as médicas visualizem possibilidades de atendimentos que o consultório comum não proporciona. A capitã Sônia Petersen teve a certeza de que estava na profissão ideal para ela quando teve que participar de ações cívico-sociais no Espírito Santo e no Rio de Janeiro, onde equipes móveis de saúde realizavam atendimento médico e odontológico em locais sem infraestrutura adequada.
“Utilizávamos as estruturas de colégios, igrejas e postos de saúde para realizarmos os atendimentos. Foi um desafio, mas tive a certeza que era isso que eu queria. Receber o carinho das pessoas e fazer a diferença na vida de alguém é muito gratificante. Eles esperavam a nossa ida para serem atendidos por especialistas. Então, foi bom ter tido essa oportunidade na carreira”, relembra.
Esses atendimentos não ficam restritos apenas ao Brasil, havendo oportunidades também para missões no exterior. A capitã de corveta Maria Sanches embarcou na Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti (Minustah) e na Missão de Apoio à Pesquisa no Continente Antártico – a Operação Antártica (Operantar). “No Haiti, por exemplo, participei de ações cívico-sociais com atendimentos a crianças em creches e a idosos em asilos e ajudei a distribuir alimentos e vestimentas, além de fornecer orientações sobre higiene bucal, prevenção de doenças transmissíveis e purificação de água”, destaca.
Um caminho a seguir
Além das missões e da infraestrutura que as organizações militares podem oferecer para as médicas que ingressam, outros aspectos da carreira chamam a atenção das profissionais. Plano de carreira bem definido, segurança, oportunidades de crescimento e aperfeiçoamento são alguns dos pontos considerados no momento da escolha pela vida militar.
A mastologista Viviane Reis, capitã do Exército Brasileiro, vê que as possibilidades que existem dentro da vida militar são as melhores para as mulheres.
“Em primeiro lugar, a vantagem de ter um plano de carreira e estabilidade de um concurso público federal. Em segundo lugar, poder exercer a minha especialidade com segurança e estrutura para oferecer um bom atendimento aos meus pacientes”, elenca.
A possibilidade de ter essa boa infraestrutura é um ponto positivo em comum a todas as entrevistadas. A major e pediatra Cíntia da Silveira complementa:
“Sempre considerei que o atendimento ambulatorial de Pediatria dentro do Exército me permite exercer uma Medicina honesta e de qualidade. Além disso, como mulher e mãe, tenho a segurança de trabalhar em uma instituição que oferece plano de carreira e salário sem atrasos, mesmo quando há necessidade de afastamento”.
As possibilidades são muitas para as que veem na carreira uma possibilidade promissora. Com ganhos iniciais que podem ultrapassar os R$9 mil, quem realiza os concursos de carreira para oficial, por exemplo, pode avançar de patente, conquistar prestígio e adquirir mais experiência profissional no meio médico.
Para as profissionais da Saúde que almejam entrar na vida militar, a mastologista Viviane Reis deixa um conselho: “Sugiro que realizem uma pesquisa sobre a carreira militar, conversem com militares de carreira para ouvir suas experiências individuais e avaliem as vantagens e as desvantagens de ser uma oficial médica de carreira das Forças Armadas”.
Vantagens da carreira militar •Segurança empregatícia; •Estabilidade financeira; •Ganhos adicionais por especialização e graduações; •Aposentadoria compulsória; •Crescimento profissional por anos de serviço. |