[__]

Artigo: Conexão via aplicativo entre “meu médico” e “meu paciente”

Por:

Max Grinberg

- 10/01/2020

O progresso biotecnológico tende a distanciar o médico do paciente. A inovação da tecnologia de comunicação interpessoal aproxima. Considerando que a tecnologia é benéfica, é importante analisar o quanto de distanciamento e de aproximação de fato acontece e deve ser evitado em nome da ética.

Pontos de referência são a relação médico-paciente presencial, que admite o espaço íntimo do exame físico e do procedimento invasivo e o espaço pessoal da anamnese e mais diálogos, e a não presencial, que, sem limites geográficos, incorporou o telefone como um meio de conexão à distância entre o médico e o paciente.

A Bioética desenvolveu-se no século XX com a preocupação dos efeitos nocivos das novidades da tecnologia na relação médico-paciente. O pensamento dominante nesse contexto era que avanços de recursos diagnósticos e terapêuticos aplicados em nome do benefício continham efeitos desumanizadores em escalas variáveis.

Acontece que essa visão de intromissão indevida não se materializa de uma maneira absoluta. O bom uso da biotecnologia comprovou-se útil e eficaz, inseriu-se na eticidade da prudência e do zelo e soa desejável para atender a objetivos compartilhados por médico e paciente. Riscos em potencial, ligados à biotecnologia, justificam realidades de benefícios mais frequentes e inéditas. Na chamada fase de mercado, aperfeiçoamentos técnicos em feedback, como os resultados e curvas de aprendizado na aplicação, aperfeiçoam e minimizam inconvenientes.

O que a Bioética da Beira do leito se preocupa com mais veemência na atualidade e faz seus alertas é com o uso da biotecnologia que contraria tradições da Medicina que persistem imprescindíveis. Em termos modernos, elas incluem acolhimento, consentimento e conhecimento. Qualquer by-pass por esta tríade fora da emergência é fator de distanciamento do médico ao paciente.

Já com respeito à tecnologia de comunicação, será que a moderna comunicação via aplicativos contraria tradições da Medicina que não podem ser eliminadas? Sim e não. Uma substituição do presencial obrigatório para que se possa afirmar que o paciente foi examinado direciona para o afirmativo da resposta. Uma visão de complementaridade da boa prática clínica remete para a negativa, em função da facilidade e da celeridade da intercomunicação. O que pega mesmo é a questão do sigilo profissional.

Eu, particularmente, sou favorável ao uso de aplicativos para a intercomunicação do “meu médico” com o “meu paciente”. Já vivenciei muitos infortúnios evitáveis e angústias desnecessárias pela falta de uma palavra oportuna emitida ou recebida. É conexão direta entre dois mutuamente autorizados ao diálogo entre si, assim enquadrando-se em pré-requisito ético. Entendo que a comunicação dessa forma é até mais sigilosa do que a do telefone, que nunca despertou polêmica.

Os advogados do diabo que conheço, muito embora reconheçam que o telefone possa permitir que um estranho àquela relação médico-paciente próximo ouça o que o médico está dizendo ao paciente, não permite reproduções sonoras e encaminhamentos e que as mensagens via aplicativos compartilhadas pelo paciente são da sua responsabilidade, insistem que fica sempre a possibilidade de a conexão “meu médico” com o “meu paciente” via aplicativo sofra uma interceptação por terceiros. É argumento que lembra exageros da teoria da conspiração, algo como “e se o telefone do médico estiver grampeado”?

Se para a biotecnologia aceitamos que há níveis admissíveis de relação risco-benefício e que o uso faz lapidações, por que não fazemos o mesmo para a intercomunicação “meu médico” com o “meu paciente” via aplicativo?