Todo mundo já viveu a sensação de escolher um aparelho de celular novo e passar por um momento em que se pergunta se fez a escolha certa. Será que aquele era o melhor aparelho para mim? Será que eu deveria ter comprado outro? Essa sensação é quase que um mecanismo que nos protege de cometer erros. Ficamos preocupados com a qualidade da escolha que fizemos. Pode parecer demais, mas não é. E o que isso tem a ver com a escolha do pediatra de uma criança?
– Existem duas questões que são muito importantes e que começaram a ser estudadas na década de 1950. A primeira delas é a dissonância cognitiva e a segunda é a percepção seletiva. Uma família quando escolhe um pediatra para acompanhar a sua criança, passa por essa dissonância cognitiva, ao se questionar se fez ou não a melhor escolha. A percepção seletiva está relacionada com o papel da indicação, pois temos uma tendência natural a perceber melhor aquilo que, de certa forma, é conhecido. E, nesse critério de perceber o que é conhecido, entra adotar alguma coisa que as pessoas da nossa confiança também adotaram, como é o caso de escolher um pediatra que já atende uma família conhecida – afirmou Alice Selles, especialista em marketing e Diretora da Selles Comunicação.
Para a especialista, é importante entender que, na escolha de um profissional, as famílias querem “um médico para chamar de seu”. As pessoas querem ter aquele médico de confiança e existem muitas formas de ser ou de se conquistar esse espaço cobiçado.
– Acho muito interessante quando mães fazem uma espécie de disputa para ver quem tem o melhor pediatra dos seus filhos. Uma mãe enumera as qualidades do seu profissional e a outra mãe enumera também. Aí, fica aquela coisa: “mas, o meu pediatra …”. Acredito que o maior luxo que um médico pode ter é ser chamado de “o meu médico”. E, muitos profissionais não percebem o quanto isso é importante e que talvez seja a principal estratégia de marketing que um médico pode ter – considerou.
Enquanto consumidores de qualquer serviço, sempre esperamos alguma coisa. Alice Selles citou como exemplo quando reservamos uma pousada para passar o fim de semana. Criamos na cabeça uma expectativa de como vai ser a hospedagem e o serviço que vai ser oferecido, tudo isso baseado nas expectativas anteriores que a própria pousada anunciou sobre ela mesma no seu site e em redes sociais.
– Isso caracteriza o que chamamos em marketing de serviço esperado. Mas, também existe o serviço percebido, que se encontra na hora que chega à pousada, que é o que de fato é oferecido. Quanto maior é o espaço entre o que é esperado e o que é percebido, maior é o que conhecemos como lacuna do paciente. Assim como na pousada, isso também acontece em relação a qualquer serviço médico. O paciente tem uma expectativa do serviço que vai receber com base naquilo que outras pessoas falaram, naquilo que ele encontrou nas redes sociais do médico e até mesmo comparando com o que ele espera receber num consultório de pediatria com o que ele já encontrou num consultório de dermatologia, de clínica geral, de cardiologia. Isso gera uma expectativa e, se a percepção fica muito inferior, o paciente fica insatisfeito. Vale lembrar que o paciente insatisfeito hoje em dia não volta ao consultório e ainda fala mal do atendimento nas redes sociais – explicou.
Além da lacuna do paciente, em marketing, ainda há lacuna da clínica, que significa a falta de planejamento e de entrega de um resultado que acaba comprometendo a expectativa e o serviço percebido pelo paciente. Para Alice Selles, se o pediatra deseja ser o “médico para chamar de seu”, é importante compreender de fato o que o paciente espera. E, neste sentido, erra quem foca no procedimento e não no relacionamento. Isso é o que se denomina de lacuna da compreensão do paciente.
– A lacuna do desempenho do serviço refere-se ao fracasso entre equilibrar a oferta e a demanda. Os especialistas sabem o que significa uma segunda-feira de manhã num consultório de pediatria, com aquela quantidade enorme de pacientes. Isso acontece muito pela busca das famílias pelo médico devido a alguma coisa que aconteceu no fim de semana. Sempre vale pensar de que maneira é possível equilibrar a oferta do serviço com essa demanda desse dia. Será que não é possível e melhor agendar um número menor de pacientes para segunda de manhã, já que aparece um monte de paciente, que não foi agendado, em busca de atendimento? – enfatizou.
Na lacuna de projeto e padrões do serviço, continuou a especialista, pacientes e famílias precisam ser educados para saber como devem se comportar no relacionamento médico-paciente para que o atendimento da criança flua da forma desejada. Se o médico ou se a clínica não fizer essa educação, eles vão testar limites e isso pode deteriorar a relação.
– Voltando ao exemplo da pousada, sabe quando você vê fotos maravilhosas e, ao chegar ao local, você diz: “sério, é aqui mesmo…”?. Isso acontece, muitas vezes, com relação a como os médicos se colocam nas redes sociais e no seu site e aquilo que o paciente encontra na hora que chega ao consultório. Não por conta das fotos, mas principalmente pela forma de atendimento. É o que chamamos em marketing de lacuna da comunicação – relatou.
Quais são os pais que estão chegando com os filhos aos consultórios hoje? Os novos pais cresceram com a internet e são os nativos digitais. No Brasil, eles já são 80 milhões. O que isso significa? Significa que os hábitos deles de pesquisa, de consumo de informação e de relacionamento são diferentes daqueles que moldaram as gerações mais velhas. Portanto, não adianta fazer o mesmo processo de atendimento e a mesma forma de comunicação com essa nova família, que se fazia há 10 anos. E, a pandemia de Covid-19 acelerou ainda mais esse processo.
– É fundamental pensar que o público mudou e é importante adequar os serviços também. Acostume-se com o fato de que o contato com o paciente por meio de ligações telefônicas está com os dias contados. Os nativos digitais não usam o telefone para telefonar, eles usam para trocar mensagens, mandar vídeos, textos, pesquisar. Nem para ligar para marcar consultas. Essa geração está acostumada a usar aplicativo para tudo, sejam para mensagens ou para marcar consultas – considerou Alice Selles.