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Economia em crise, consultórios em alerta

Por:

Lívia Siqueira

- 01/06/2020

A situação econômica no Brasil segue uma linha de preocupação e de pouco crescimento. No início do ano, a expectativa era que tivéssemos um crescimento de 3%, mas as previsões já consideram uma queda no Produto Interno Bruto (PIB). Essa recessão é um aspecto macroambiental que pode interferir bastante na rotina do médico em seu consultório ou clínica. Com o aumento do desemprego e o encarecimento de procedimentos, a população enfrenta cada vez mais dificuldades para custear médicos, serviços de atendimento e planos de saúde.

Para agravar o cenário, diversas epidemias têm se agravado no país: dengue, sarampo e o tão temido coronavírus. As bolsas despencaram ao redor do mundo e o dólar chegou, pela primeira vez na história, à cotação superior a R$5. Como, então, os profissionais da Saúde devem se preparar? Para esclarecer essa e outras dúvidas, a Revista DOC conversou com Gustavo Cerbasi, administrador e consultor financeiro, que deu um panorama sobre como o impacto da economia na área da Saúde.

DOC – O que um médico precisa entender sobre economia? Até que ponto as questões econômicas fazem parte do dia a dia desses profissionais?

Gustavo Cerbasi – Os médicos são, pela natureza de seu trabalho, profissionais liberais em sua grande maioria. São, portanto, responsáveis pela administração de suas clínicas e consultórios, pela negociação com fornecedores e pela preservação de sua ética e reputação. Por mais que sejam estudiosos da saúde humana, devem entender de negócios e da implicação de suas decisões em diferentes cenários. É necessário dominar um escopo básico de planejamento, finanças e economia para, ao menos, manter seus negócios e sua vida em equilíbrio, mesmo durante as crises econômicas. Essa é uma carência conhecida da profissão, que tende a melhorar no futuro com a iniciativa de incluir a educação financeira no currículo escolar a partir de 2020. É importante entender que esse conhecimento básico faz com que qualquer profissional saiba explorar melhor os serviços de bancos, corretoras e seguradoras, facilita o debate com especialistas e permite que orientações sejam discutidas em um nível mais avançado e com melhores oportunidades.

DOC – Com o aumento do dólar, comprar produtos no exterior tornou-se bastante caro. De que maneira o médico pode continuar se atualizando e atualizando seu consultório diante dessa situação?

GC – Esse temor não deveria existir se o planejamento estivesse adequado às necessidades do médico. Quem compra equipamentos e insumos do exterior ou tem o hábito de participar de congressos fora do país deveria ter todo o investimento para esse fim alocado em fundos cambiais, que acompanham a variação da moeda estrangeira. Da mesma forma, um planejamento bem elaborado traz tranquilidade quando a pessoa tem investimentos em ações e a bolsa cai, pois é previsível que as crises criem oportunidades nos momentos de recuperação. Quedas dessa natureza nada mais são do que um passo atrás para dar três à frente.

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DOC – Como o profissional deve lidar com taxações e impostos aumentando por conta da recessão? De que maneira ele pode organizar seus gastos?

GC – O ideal é manter um orçamento resiliente ou flexível para acomodar imprevistos e ajustes. Um orçamento resiliente nada mais é do que um orçamento em que os compromissos fixos ocupam uma parcela do orçamento menos significativa do que seria possível, para acomodar outros gastos de pagamento à vista ou pontual. Por exemplo, se acredito que com meu faturamento eu poderia manter uma clínica que custe R$100 mil mensais, eu deveria optar por uma clínica com custo de R$80 mil mensais e usar os outros R$20 mil para gastos que podem ser cancelados em caso de imprevistos. Menos gastos com a estrutura da clínica e mais gastos com congressos, tecnologia, cuidados com o paciente e com os colaboradores.

DOC – Na sua opinião, os médicos devem apostar em investimentos de curto ou longo prazo durante momentos de crise?

GC – Todas as pessoas, não só os médicos, devem dividir sua estratégia de investimentos em três partes. Em primeiro lugar, devem formar uma reserva de emergências, equivalente a três a seis meses do consumo familiar (e outra equivalente a três a seis meses do gasto do consultório), para lidar com imprevistos e oportunidades de curto prazo. Esse dinheiro deve estar investido em bons produtos de renda fixa, como um fundo DI ou títulos públicos. Somente depois de formada a reserva de emergências, a preocupação deve ser a de ter um plano para garantir renda no futuro. O ideal é que esse plano seja arrojado (inclua investimentos em ações). Os mecanismos mais utilizados para isso são planos de previdência privada e os seguros resgatáveis (opção adequada somente a quem não tem tempo de cuidar dos próprios investimentos). Apenas depois de ter a reserva de emergência formada e os planos para renda futura equacionados com pagamentos mensais ou anuais regulares, o foco deve se dirigir para montar carteiras de investimentos. Nessa situação, a carteira deve ser mais concentrada em ações e exposta a oscilações à medida que os planos contem com prazos mais dilatados para serem realizados. Em outras palavras, quem já tiver blindado sua rotina presente e suas escolhas futuras contra riscos maiores investirá mais em ações, aproveitando momentos de preços baixos, como agora.

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DOC – Clínicas e consultórios também são negócios. Nesse sentido, como um médico deve agir para manter seus negócios durante a recessão econômica?

GC – Além de seguir a estratégia que acabei de citar, em situações de grande interrupção nas receitas ou de grande aumento dos custos, é preciso parar e pensar para se organizar melhor, renegociar prazos de pagamentos com fornecedores, cortar radicalmente custos e suspender obras, investimentos e lançamentos. Os recursos disponíveis para isso devem ser dirigidos para a proteção da renda fixa e ficar disponíveis para aproveitar oportunidades. Em situações de grande estresse econômico, quem tem mais caixa pode socorrer quem tem menos. É nessa situação, por exemplo, que quem investiu errado no seu negócio deve ser ágil para desinvestir e vender para um concorrente ou parceiro que tenha mais fôlego.

DOC – Todo profissional de Saúde deveria investir em consultoria financeira?

GC – Existem vários caminhos para equacionar o necessário equilíbrio na vida dos médicos. Há caminhos simplistas e menos eficientes, como simplesmente contratar um seguro resgatável (cuja análise normalmente embute um diagnóstico da situação financeira do profissional), assim como também é possível contratar o acompanhamento regular de uma consultoria financeira, serviço cujo custo é proporcional ao patrimônio e que pode chegar a algumas dezenas de milhares de reais por ano. Eu substituí o antigo serviço de consultoria que prestei durante dez anos por um curso on-line sobre Inteligência Financeira, mais completo, mais eficaz e mais em conta do que uma consultoria completa. Nele, oriento a montar um planejamento de longo prazo, com orientações de como atualizá-lo a cada ano, e também ensino a montar uma carteira de investimentos eficaz e segura (que foi testada com sucesso por meus mais de 11 mil alunos nessa crise). Quem tiver interesse pode se inscrever no meu site, <www.gustavocerbasi.com.br>.

DOC – No cenário internacional, como está o Brasil? As perspectivas são boas para os próximos anos ou podemos esperar ainda períodos de turbulência?

GC – O Brasil vinha demonstrando fôlego para um forte crescimento, com uma rara coordenação entre governos e empresariado. A pandemia do Covid-19 veio para postergar esse crescimento. O prazo de recuperação dependerá de como tratarmos essa situação crítica de saúde. Acredito que o Brasil surpreenderá positivamente o mundo com a boa coordenação entre o SUS e a Medicina privada. Isso deve fazer do país uma das nações de destaque no período de recuperação. A perspectiva, caso esse cenário se confirme, é interessante tanto para o dólar quanto para as bolsas de valores.