A atividade médica é, por sua própria natureza, uma atividade de risco que demanda profundo conhecimento e cautela em seu exercício, uma vez que um único erro pode custar a vida do paciente.
Dados publicados pelo Instituto de Estudos de Saúde Complementar (IESS) e pelo Instituto de Pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais apontam que, no ano de 2017, a cada hora, seis pessoas morreram por erros médicos, por falhas assistenciais ou processuais, ou por infecções nos hospitais brasileiros. Dessas mortes, quatro poderiam ser evitadas com a realização de procedimentos corretos.
Diversos fatores potencializam essas ocorrências, como a formação deficiente de novos profissionais, decorrente do crescimento desenfreado das escolas de Medicina, as jornadas exaustivas de trabalho e, principalmente, o péssimo sistema de saúde pública. Consequentemente, as ações judiciais por reparação civil envolvendo médicos e hospitais têm se multiplicado nos tribunais brasileiros.
Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), são 70 novas ações por dia, sendo que mais de 26 mil processos aguardam conclusão. A maioria dessas ações são motivadas pela frustração quanto ao resultado do tratamento, incompreensão as informações fornecidas durante o tratamento e, sobretudo, da não aceitação de uma fatalidade. Nessas circunstâncias, dados apontam que apenas 20% dessas ações são julgadas procedentes.
O afamado termo “erro médico” se popularizou nos últimos anos, mas nem sempre é utilizado de maneira correta e muito se confunde com “falha
assistencial”. O “erro médico”, segundo o Conselho Federal de Medicina, “é o dano provocado no paciente pela ação ou omissão do médico, no exercício da profissão, caracterizável como imperícia, imprudência ou negligência, e sem a intenção de cometê-lo. É a conduta profissional inadequada que supõe uma inobservância técnica capaz de produzir um dano à vida ou à saúde de outrem”.
Por sua vez, “falhas assistenciais” não são decorrentes só dos médicos, mas de enfermeiros, nutricionistas, técnicos de Radiologia, ou seja, de outros profissionais da área da Saúde que também participam do atendimento. Para a classe médica, 80% desses eventos decorrem de falha sistêmica e não individual.
As responsabilidades dos profissionais de Medicina
A natureza jurídica da prestação de serviços médicos, assim como o exercício da própria Medicina, é contratual e, em regra, trata-se de uma obrigação de meio, uma vez que o profissional não se compromete com a obtenção de um resultado determinado, mas sim com a prestação de um serviço consciente, cauteloso e de acordo com as técnicas científicas possíveis, porque algumas situações independem de uma conduta empenhada ou da competência do profissional. Sabemos que inúmeras variáveis podem influenciar no resultado, pois cada organismo pode reagir de forma diferente ao mesmo tratamento, entre outros fatores aleatórios.
Em poucas palavras, na obrigação de meio, o profissional se compromete a empregar seus conhecimentos e técnicas disponíveis para atingir o melhor resultado, mas ele não é obrigado, contudo, a garanti-lo. Não há presunção de culpa. Por outro lado, na obrigação de resultado, o profissional assume contratualmente que uma finalidade será alcançada, comprometendo-se a obter o resultado. Se o objetivo não for alcançado, cabe ao contratante demonstrar isso e, assim, surgirá a obrigação de indenização.
Nesse caso, a culpa do médico é presumida, cabendo ao profissional comprovar cabalmente que foi prudente, diligente ou perito e que houve motivo de força maior ou caso fortuito que não permitiram o resultado desejado.
O artigo 186 do Código Civil estabelece a regra da responsabilidade civil subjetiva. O agente somente pode ser responsabilizado quando, culposamente, não respeita um dever de cuidado objetivamente devido. Nesse contexto, temos como elementos formadores da obrigação de reparar: a existência de uma ação ou omissão, o dano, a culpa e o nexo causal entre a conduta e o dano.
Por outro lado, não ficando evidenciada qualquer modalidade de culpa – negligência (não fazer o que deveria ser feito), imprudência (fazer o que não deveria ser feito) ou imperícia (fazer mal o que deveria ser bem feito) –, deixa de existir a responsabilidade civil do médico, em razão dos resultados inesperados e desconhecidos que podem surgir.
Assim, conforme determina expressamente o Código de Ética, cabe ao médico aprimorar continuamente seus conhecimentos e agir adequadamente com todos os meios técnicos procedimentais em benefício do paciente, cumprindo rigorosamente os protocolos.
Além disso, vale ressaltar que o prontuário médico é o mais importante dos documentos preventivos, devendo ser legível e completo, com todo o histórico do paciente, além dos resultados dos exames realizados, as prescrições de medicamentos, enfim, todas as informações que a equipe médica possa refutar como importante ao caso, inclusive com a elaboração de Termo de Consentimento Informado, quando necessário.
Por fim, vale também ressaltar a importância do diálogo entre as partes, prezando sempre pela ética e pelo respeito ao paciente e seus familiares, fazendo valer a confiança que é depositada pelo paciente, que, sem dúvida, é o principal fator capaz de obstar denúncias junto aos Conselhos Regionais, e consequentemente, propositura de ações judiciais.
Gisleni Valente – advogada associada do Zilveti Advogados